Mais Recentes :

Violência e resistência nas quadras: o futsal como palco de enfrentamento ao machismo

Violência e resistência nas quadras: o futsal como palco de enfrentamento ao machismo

"Em 2025 ainda estamos pedindo o óbvio: o direito das meninas praticarem esporte com dignidade." A frase de Gabriela Salvador, técnica do time de futsal infantil Princesas do Sul, ecoa a indignação de quem há dois anos enfrenta um cenário de agressões, silenciamentos e retaliações. O time, formado por meninas de Pelotas, venceu o campeonato municipal em 2023, mas foi alvo de ataques verbais e ações misóginas na final da edição seguinte. Como consequência da denúncia feita, as atletas foram impedidas de competir em 2025 como equipe. O caso escancara a urgência de políticas públicas que garantam segurança, respeito e igualdade de gênero no ambiente esportivo.

A denúncia foi tema da entrevista com Gabriela Salvador no programa Contraponto, da RádioCom Pelotas, nesta quinta-feira, 10 de abril. Gabriela esteve acompanhada da jovem atleta Virginia Salvador, integrante da equipe Princesas do Sul. Em 2023, Virginia atuou como jogadora titular na conquista do campeonato e, em 2024, passou a desempenhar papel de apoio técnico no grupo, acompanhando os treinos e fortalecendo a continuidade da equipe apesar das adversidades. Ambas relataram com firmeza os episódios de violência vividos e o impacto emocional sentido pelas atletas.

Agressões, silenciamento e retaliação institucional

Durante a final do campeonato de 2024, a equipe Princesas do Sul enfrentava o mesmo adversário da edição anterior, quando conquistou o título de forma invicta. Mas desta vez, o jogo foi interrompido por ataques vindos da torcida adversária: ofensas machistas, intimidações e até arremesso de água na quadra. "Foi uma situação muito triste para todas nós. As gurias estavam jogando bem, a gente ia ser campeã de novo. Eles não aceitaram perder para meninas", relatou Virginia Salvador.

O que seguiu após o episódio revelou a face institucional do machismo: a liga responsável pelo campeonato criou um novo regulamento que vetou a inscrição de equipes femininas, permitindo apenas uma menina por time masculino. "É uma retaliação direta. O recado é claro: vocês ousaram denunciar, agora serão punidas", afirmou Gabriela. Ela alertou para a violência simbólica e física dessa decisão, que obriga meninas a atuarem isoladas entre meninos, sem suporte, adaptação de uniforme ou espaço seguro para suas necessidades básicas.

Gabriela também explicou os prejuízos dessa mudança: desde o uso obrigatório de uniformes masculinos que ferem a anatomia feminina até a ausência de uma rede de apoio entre as atletas. "Estar sozinha numa equipe masculina é uma violência psicológica. A menina perde proteção, conforto e segurança. A presença de três ou quatro meninas já cria uma rede. Uma ajuda com o cabelo, com um absorvente, com apoio emocional. Sozinha, ela está exposta."

Mobilização e projeto de lei para enfrentar o machismo no esporte

Em resposta ao caso, foi elaborado um projeto de lei que será votado na próxima semana na Câmara Municipal de Pelotas. A proposta visa impedir qualquer forma de discriminação e violência de gênero em práticas esportivas organizadas na cidade. Gabriela destacou a importância da presença da sociedade na sessão de votação. "Esse projeto é inédito no Brasil. Ele pode se tornar um marco legal para garantir o esporte como espaço também das meninas", defendeu.

Além do apoio legislativo, a técnica defende mudanças estruturais no ambiente esportivo: mais mulheres em cargos de comando, arbitragem e coordenação de ligas. "Hoje, mulher pode ser nutricionista no esporte, mas não técnica. Isso precisa mudar. As meninas têm que ver que elas também podem treinar, apitar, coordenar. O esporte é um caminho de vida, não só de competição."

Gabriela reforçou que, no futsal, os riscos são ainda maiores pela proximidade entre torcedores e atletas. "É uma quadra fechada. O grito machuca, a agressão física está a um palmo de distância. A gente precisa criar ambientes seguros. Se não fizermos isso, as meninas continuarão sendo excluídas."

Próximos passos e esperança por justiça

Com prazo até o final de abril para a inscrição das categorias, o time Princesas do Sul ainda tenta reverter a decisão da liga. Segundo Gabriela, o jurídico da Câmara avalia se há respaldo legal para o regulamento que impôs a exclusão. A expectativa é que, com a aprovação da nova lei, seja possível garantir a participação das meninas sem restrições ou imposições que violam seus direitos.

"É inacreditável que em 2025 estejamos tendo que lutar para que meninas possam apenas jogar futsal", desabafou Gabriela. Ela finalizou reafirmando o papel transformador do esporte: "O futsal é um espaço de vida, de crescimento, de habilidades para além da quadra. E ele precisa continuar sendo um lugar seguro para todas."

*Confira a entrevista completa no canal da RádioCom Pelotas no YouTube.


0 comentários

Adicionar Comentário

Anunciantes

Envie sua notícia