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Varíola dos macacos avança e levanta desafio de comunicar sem estigmatizar
O Rio Grande do Sul tem, até esta sexta-feira (5), 18 casos confirmados da varíola dos macacos (também chamada de monkeypox) e 11 casos suspeitos. São cinco casos confirmados em Porto Alegre, dois em Caxias, Viamão e Canoas e um caso em mais sete cidades do interior do estado. Há uma semana, o RS tinha seis casos confirmados.
Embora a doença não seja nova, por circunstâncias que ainda estão sendo estudadas, o vírus que a causa e era restrito às regiões ocidental e central da África agora tem se espalhado pelo mundo. Enquanto a rede de saúde do Estado se articula na criação de protocolos de atendimento e diagnóstico, a comunicação sobre a prevenção e as formas de contágio tem sido um desafio para os gestores de saúde.
A razão é que os primeiros pacientes com a varíola dos macacos no Brasil foram relacionados com a possível transmissão sexual, particularmente em situações de homens que fazem sexo com homens. A constatação de que pode haver um grupo mais suscetível à doença tem aberto um debate na comunidade médica sobre a forma correta de comunicar os riscos da doença. O desafio é como informar e alertar grupos que podem ser mais suscetíveis no momento sem estigmatizá-los e incorrer nos mesmo erros cometidos com a aids nos anos de 1980, além de também não fazer com que os outros grupos achem que não correm risco de pegar a varíola dos macacos.
Para enfrentar o dilema, Evelise Tarouco, chefe do Núcleo de Doenças Transmissíveis Agudas da Vigilância em Saúde de Porto Alegre, explica que a Prefeitura tem focado a comunicação nas formas de contágio. “Temos tomado cuidado em não reproduzir estigmas que já existiram em outros momentos. A gente observa que a monkeypox tem essa característica, pela maioria dos casos até o momento terem tido contágio numa transmissão por via sexual, então já criou um estigma”, comenta.
Até por isso, ela conta que a comunicação evita falar dados dos pacientes, justamente para não alimentar o estigma, algo que prejudica inclusive a investigação da área médica, pois as pessoas podem não querer passar informação com medo da exposição.
“Temos várias formas de contágio e a população precisa saber quais são. Independente de orientação sexual, todo mundo tem que se proteger porque todo mundo é suscetível. Embora tenha se observado que o contágio tem sido mais frequente por contato íntimo e por via sexual, ela não é uma infecção sexualmente transmissível (IST). Já tem estudos e casos que provam que ela pode ser transmitida por gotícula respiratória, por saliva, por outras formas”, pondera a chefe do Núcleo de Doenças Transmissíveis Agudas da Vigilância em Saúde da Capital.
Por isso, Evelise recomenda que qualquer pessoa que apresente lesão procure o serviço de saúde para receber orientação, mesmo que não se encaixe no critério estabelecido oficialmente. A “porta de entrada” do serviço podem ser as unidades de saúde, as emergências de hospitais e os pronto atendimentos.
A médica Rosana Richtmann, do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, explica que o termo “homens que fazem sexo com homens”, que tem sido utilizado agora para alertar sobre o contágio da varíola dos macacos, foi criado em 1990 nos Estados Unidos para definir homens que não se identificavam como gays, bissexuais ou pansexuais, mas mantinham relações sexuais com pessoas do mesmo sexo.
Segundo ela, agora com a monkeypox, o importante é saber qual grupo está em maior risco. Independente de serem gays, bissexuais ou pansexuais, os indícios são de que homens que fazem sexo com homens estão nesse grupo. Por isso, a infectologista diz que o importante é encontrar a forma mais efetiva de informar esse público.
“Duas semanas atrás, os homens gays que atendi não sabiam o que estava acontecendo em relação ao monkeypox, qual era o grupo de risco, onde era o epicentro, como aconteceu a transmissão nos primeiros casos da Espanha. Então achei que era muito importante a gente falar sobre o assunto, sem preconceito, de uma forma muito clara e aberta, para que eles possam realmente se proteger. A única forma que eu sei de fazer prevenção é quando estou ciente do meu risco e como devo agir. A gente tem uma experiência anterior, com o HIV, que teve um estigma, um preconceito, acho que agora nós estamos em outra fase e quanto mais claro a gente conseguir se comunicar, mais a gente vai atingir aquela população que, neste momento, realmente sofre maior risco”, explica Rosana.
Apesar de haver um grupo atualmente mais suscetível, a infectologista alerta que a varíola dos macacos vai seguir se expandindo para outros grupos e a orientação deve ser a mesma. “Seja para gestantes ou para crianças, a gente vai fazer as recomendações de acordo com os hábitos e de acordo com a melhor forma em termos de proteção.”A preparação da rede de saúde
A varíola dos macacos foi declarada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma emergência de saúde pública de importância internacional. Diante de um cenário em constante evolução, a agilidade no diagnóstico e a correta informação, tanto dos profissionais de saúde quanto dos pacientes, é fundamental.
Ao contrário dos primeiros meses, quando os exames dos casos suspeitos no RS eram enviados para São Paulo, agora o Laboratório Central (Lacen) do Estado começou a fazer diagnóstico e isso tem agilizado bastante as análises no RS.
Marcelo Vallandro, membro do Centro Estadual de Vigilância em Saúde (Cevs), explica que, a partir do momento em que aumentam os casos no RS, o fato da pessoa ter viajado para o exterior vai se tornando menos importante, ao contrário do início da doença no País.
“A gente tem um fluxo já estabelecido para essa doença. Na suspeita do diagnóstico, os profissionais notificam a vigilância dos municípios, que tem um canal direto com a gente, no qual se discute o caso e, se se enquadra, é feita a coleta e enviada pra gente fazer o diagnóstico laboratorial. A gente vai tornando a rede mais robusta a medida que o agravo nos coloca enquanto desafio de saúde”, afirma.
Vallandro diz que a varíola dos macacos é “bastante dinâmica” e garante que o RS tem uma rede de vigilância preparada para trabalhar a partir das orientações dadas pela Secretaria Estadual de Saúde e pelo Ministério da Saúde. O objetivo é ter a correta informação e acompanhar os pacientes suspeitos e confirmados.
“É uma doença que, no primeiro momento, o grande número de casos são leves, mas por se tratar de uma doença transmissível precisa de uma boa orientação com relação ao isolamento, à conduta clínica, à assistência do paciente, isso tudo está posto tanto pelo Ministério quanto por nós”, explica. E acrescenta: “O mais importante nesse momento é, na suspeita diagnóstica, já passar orientação correta quanto ao isolamento, os cuidados que ele tem que ter, e no caso de alguns sinais de maior gravidade, também fazer essa conduta do ponto de vista assistencial de maior complexidade ou qualquer internação”.
Na Capital, a chefe do Núcleo de Doenças Transmissíveis Agudas da Vigilância em Saúde explica que primeira orientação é observar se o paciente tem lesão e analisar o seu histórico. Cada caso é então discutido individualmente, com a Vigilância mantendo contato com a pessoa suspeita e fazendo o monitoramento em conjunto com a unidade de saúde.
“A gente tem essa relação direta com os serviços. Temos um plantão epidemiológico que funciona 24 horas por dia, para que os serviços de saúde façam contato. A partir da circulação das informações e definição de cada caso, há um fluxo que a gente construiu no município com orientações e tudo isso circula entre os serviço de saúde”, explica Evelise.
Se houver alguma dúvida, a Vigilância da Capital aciona a Vigilância do governo estadual. E se Vigilância estadual tiver dúvida, se aciona então o Ministério da Saúde. “E isso tem que ser em tempo real para tomar alguma ação imediata. Nos casos em que a gente fica em dúvida se é um caso suspeito ou não, a gente sempre orienta o isolamento imediato do paciente”, ela afirma, enquanto então se realizam os exames para comprovar a doença.Incertezas
O primeiro caso identificado no RS ocorreu em maio, em Porto Alegre, um homem residente em Portugal e que estava a passeio na cidade. Desde então, já houve 21 casos investigados como suspeitos na Capital, com cinco confirmações.
Por ser uma doença com dinâmica nova no Brasil, as orientações têm sido atualizadas constantemente, representando um desafio para a rede de saúde.
“O Brasil precisou se organizar em relação à definição de um caso suspeito, quais são as características da doença, quais sinais e sintomas, quais tipos de lesões esses pacientes apresentam”, explica Evelise.
Nesta quinta-feira (4), a Secretaria Estadual de Saúde (SES) lançou um site com informações específicas sobre a varíola dos macacos, destacando os sintomas principais e outros frequentes, as formas de transmissão e os métodos de prevenção. Entre os sintomas principais estão a erupção cutânea (lesões, bolhas, crostas) em diferentes formas e partes do corpo, incluindo rosto, palmas das mãos e órgãos genitais. Outros sintomas associados são febre, dor de cabeça, inchaço dos gânglios linfáticos, dor nas costas, dores musculares e falta de energia.
“Todas as pessoas que forem expostas ao vírus podem se infectar e desenvolver a doença, independentemente de idade, sexo ou outras características”, alerta a nova plataforma da Secretaria Estadual de Saúde (SES).
O órgão estadual explica que a monkeypox é transmitida principalmente por meio de contato direto ou indireto com gotículas respiratórias, como saliva e muco nasal, mas principalmente por meio do contato com lesões de pele de pessoas contaminadas ou com objetos e superfícies contaminadas. A transmissão sexual também tem se mostrado significativa. O período de transmissão da doença se encerra quando as crostas das lesões desaparecem.
A chefe do Núcleo de Doenças Transmissíveis Agudas da Vigilância em Saúde de Porto Alegre destaca que as lesões no Brasil têm se mostrado um pouco diferentes dos países africanos onde a doença é endêmica, como exemplo do quanto a varíola dos macacos precisa ser investigada no País.
“Ainda está tudo sendo estudado. Inicialmente se achava que eram aquelas imagens com pessoas com múltiplas lesões e o que temos visto no Brasil é um quadro muito mais leve”, diz Evelise, destacando a baixa letalidade da doença, apesar do País ter registrado o primeiro óbito recentemente, em Minas Gerais.
“Muitas vezes os casos apresentam uma lesão, podendo ter outros sintomas associados ou não. No início se associava que o paciente tinha que ter febre, tinha que ter adenomegalia (aumento dos linfonodos do pescoço), tinha que ter lesões… agora a definição do casos tem mudado conforme as características do que tem sido diagnosticado no Brasil. Então tudo é muito novo, cada semana é uma novidade de sintomas que antes não se observava e que a gente está observando, ou a ausência completa dos sintomas e somente a lesão. Então tudo isso ainda está se consolidando”, explica.
No site da Secretaria Estadual da Saúde lançado na quinta-feira (4), o uso de máscaras e higienizando das mãos também são destacados como cuidados importantes para evitar a contaminação.
Por Luciano Velleda SUL 21
FOTO: Virologista chefe do Laboratório de Biologia Molecular de Vírus, Clarissa Damaso, no evento Fala, Minerva! UFRJ Debate Varíola dos Macacos. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
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