Orgulho e Resistência: A 23ª Parada da Diversidade celebra Ancestralidade LGBTQIA+
Uma rede sem nós? (por Leonardo Melgarejo)
Um dos livros mais vendidos na década passada foi “A vida secreta das árvores”. Sucesso internacional desde sua primeira edição (na Alemanha, em 2015), aquele livro sustenta que as plantas não apenas se comunicam como também atuam em parcerias que envolvem alianças com o reino das sombras (ok, dos fungos), e que se orientam para a estabilidade dos ecossistemas.
Quando atacadas por insetos ou animais, elas ativariam mecanismos de defesa relacionados à produção de toxinas e emitiriam odores que atrairiam inimigos naturais de seus predadores, alertando outras plantas a antecipar reações similares. Em certo sentido, dentro de suas limitações elas arregimentariam verdadeiras frentes de combate, preferindo superestimar a subestimar os inimigos. Como a direção do vento tende a reduzir a eficácia destes mecanismos, as plantas também emitiram sinais elétricos pelo emaranhado de sistemas radiculares, interligados por micélios de fungos que elas cultivariam.
Em determinados casos, a eficácia da comunicação seria tão complexa que, diante de um incêndio, plantas distantes daquelas imediatamente afetadas, ativariam mecanismos de fechamento dos estômatos. Ali estaria tentativa de contenção da perda de líquidos e energia necessários para recuperação das plantas parcialmente queimadas. Enfim, entre os vegetais operaria uma espécie de política de atração e fortalecimento de alianças orientadas à defesa coletiva. Árvores favorecidas por vantagens relativas (como o acesso a solo fértil, a disponibilidade de água ou a ausência de predadores) contribuiriam para a manutenção de espécimes desfavorecidas, cedendo nutrientes, controlando/tutorando o crescimento de novas gerações em ciclos sucessórios que aparentemente podem ser milenares.
Em outras palavras, o livro indica a existência, no reino vegetal, de verdadeira política de alianças onde agrupamentos similares a famílias manteriam vigilância e comunicação estreita, orientadas à criação de ecossistemas estáveis. O cultivo de fungos envolveria trocas entre reinos virtualmente opostos como o são a luz e as sombras. E na destruição destas alianças, em situações que ocorrem, por exemplo, com processos de homogeneização territorial pelo avanço de monocultivos, seriam estabelecidos processos deletérios de difícil recuperação.
As áreas degradadas nada mais são que resultado do esfacelamento daquelas redes de solidariedade. Na prática, com isso as plantas passam a ser indivíduos isolados, digamos, algo como estrelas solitárias incapazes de se fazer ouvir ou responder aos chamados de suas irmãs. Assim, todas elas se tornariam presas fáceis de seus inimigos naturais. O resultado pode ser ilustrado pela ideia de ataques massivos, situações epidêmicas que no modelo de agricultura que entre nós é POP, justifica a chuva de venenos que não apenas agrava a degradação da vida sob o solo, como envenena as águas e seleciona inimigos mais poderosos.
Não parece clara a relação entre a vida secreta das árvores e a destruição de processos de comunicação e solidariedade entre elas, com o avanço do fascismo entre nós?
OK, vencemos as eleições, mas estamos nos alienando do quadro maior, e perdendo feio no processo de comunicação. E até por isso, justamente quando estamos no início do governo Lula, se fazem necessárias medidas preventivas similares ao fortalecimento daquelas conexões entre as raízes e os fungos, necessárias para estimulação das trocas de sinais e das reações às ameaças externas.
Cabe, neste quadro onde o avanço do deserto precisa ser contido, atentar para contradições entre espécimes não tão companheiras como seria de esperar. Percebe-se que o sucesso (entre nós) de organismos pouco afeitos à compreensão do papel das redes apoiadas em mecanismos de comunicação orientados para a defesa comum, não está ajudando. Cabe aqui a imagem oferecida por uma amiga, que alertava já na campanha para o significado e o papel de indivíduos que se consideram legítimos ocupantes daquele papel de estrela solitária, nos PTs regionais.
Precisamos sim de processos de reeducação, onde as constelações reverberem pela recuperação de algo que não podemos perder: o foco da generosidade solidária. Sem isso, e independente do brilho de Lula e seus melhores ministros, as autarquias correm o risco de se tornar ilhas regionalizadas, como aquelas plantas surdas e mudas em lavouras de clones desconectados.
No pior cenário isso poderá resultar no esfacelamento de redes nacionais, dificultando a retomada de mecanismos de comunicação capazes de mobilizar a sociedade em defesa da democracia e da soberania nacional.
E este era o objeto da coluna de hoje: se até as árvores se comunicam de forma orientada para o sucesso, a estabilidade e o futuro dos ecossistemas em que estão inseridas, o que podemos fazer para demonstrar que também somos capazes, que queremos e podemos aprender com elas?
Literalmente, precisamos aprender com elas.
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* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Leonardo Melgarejo
Engenheiro Agronômo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1976), mestrado em Economia Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1990) e doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2000). Foi representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário na CTNBio (2008-2014) e presidente da AGAPAN (2015-2017). Faz parte da coordenação do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos (2018/2020 e 2020-2022) e é colaborador da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, do Movimento Ciência Cidadã e da UCSNAL.
Edição: Katia Marko
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