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RS terá onda de calor que pode quebrar recordes a partir de 6ª; entenda as causas
Por redes sociais e grupos de WhatsApp, circulou nos últimos dias a previsão de um modelo meteorológico dos Estados Unidos que estima a chegada de uma onde de calor de 50ºC no Rio Grande do Sul no final desta semana. A estimativa assustou muita gente e acendeu um alerta nestes tempos de crise climática e aquecimento global. A previsão, todavia, não deve ser confirmar. Isso não significa que as temperaturas não serão altas, pelo contrário, há boa chance dos termômetros no Rio Grande do Sul marcarem um novo recorde de calor no Estado.
Atualmente, o recorde no RS é de 42,6ºC, registrado em 1917, em Alegrete, e em 1943, em Jaguarão. A possibilidade é que na tarde da próxima sexta-feira (14) e no sábado (15) haja temperatura semelhante.
Meteorologista da MetSul, Estael Sias explica que a estimativa dos 50ºC veio de uma ferramenta americana, usada pelos meteorologistas rotineiramente para simular o que irá acontecer com o clima, assim como outras ferramentas da Europa e do Canadá. Tais modelos apresentam variados dados técnicos sobre as condições climáticas futuras.
“O que tem acontecido é que essa ferramenta americana tem superestimado a temperatura desde a primavera, tem dado mais calor do que realmente faz. Então o que a gente faz é utilizar outros modelos, como o europeu, que é o mais confiável e, com a nossa experiência, a gente acaba filtrando”, diz Estael, explicando que o modelo canadense é melhor para onda de frio, enquanto o americano é melhor para prever chuvas em algumas áreas do Brasil.
“Na MetSul a gente usa todas ferramentas disponíveis e, com a experiência, sabe que cada uma serve melhor pra uma coisa”, destaca.
Por outro lado, ainda que não seja de 50ºC, todas as ferramentas indicam a chegada de uma onda de calor intensa. As temperaturas mais altas do Estado devem ser registradas nos municípios da fronteira oeste, como Itaqui, São Borja, Uruguaiana e Alegrete. “Se não quebrar, vai ficar muito perto de quebrar o recorde”, afirma Estael.
Os recordes históricos de temperatura no Rio Grande do Sul são computados com base em medições na sombra, que é o padrão científico e, no mínimo, com 30 anos de frequência para criar um padrão histórico. O sistema, porém, não existe em todas as cidades do Estado. Em Uruguaiana, por sua vez, a temperatura é medida desde 1912, fornecendo 110 anos de dados obtidos no mesmo local. Portanto, a possibilidade de quebra de recorde será medida por estações semelhantes existentes em outras cidades e não em termômetros de rua expostos ao sol.
Em Porto Alegre, a maior temperatura oficial já registrada foi 40,7ºC, em 1943. Em fevereiro de 2014, o recorde quase foi batido, quando o termômetro marcou 40,6ºC. A meteorologista da MetSul explica que a medição é feita no Jardim Botânico, bairro que não é o mais quente da Capital – os bairros mais quentes são na Zona Norte, onde não há estação meteorológica.Aquecimento global
Estael recorda que tanto 1917 quanto 1943, quando houve o registro da temperatura mais alta do RS, foram anos em que o Estado também sofreu com estiagem, tal como agora. Com vários dias seguidos de sol, a estiagem contribui para a onda de calor, com o interior do continente tendo extremos de temperaturas mais altas. “É o mesmo fenômeno, embora tenham passado mais de 60 anos”, explica.
A meteorologista reforça o que já vem sendo dito por especialistas do clima há algum tempo: os fenômenos extremos estão cada vez mais frequentes. Eventos de chuva e de seca têm sido cada vez mais intensos, como as enchentes que agora atingem a Bahia e Minas Gerais.
“Quando a gente fala de temperatura de 42ºC, ela gera um impacto na vegetação, vai diminuir nível de rio, vai estressar as plantas, o solo fica muito quente. Então infelizmente a estiagem gera o calor, e o calor gera mais efeitos na estiagem. É uma semana bem complicada”, explica Estael.
Com o aquecimento global, o professor Francisco Eliseu Aquino, diretor-substituto do Centro Polar e Climático, vinculado ao Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), reforça que os eventos extremos são mais frequentes a cada ano. Seja em chuvas ou ondas de calor do Ártico à Antártida, os recordes se acumulam e chamam a atenção dos especialistas.
No caso do verão do Hemisfério Sul, foi observada uma onda de calor desde o final de dezembro de 2021, bem forte já no centro-sul da Argentina. Tal constatação se soma ao monitoramento dos últimos anos que mostra o sul da América do Sul muito seco. “Isso faz com que a falta de recursos hídricos nos leve ao limite, com temperaturas elevadas e afetando a saúde das pessoas”, enfatiza Aquino.
Estudos da UFRGS mostram que as ondas de calor se tornaram mais intensas no último século, e mais duradouras nas últimas duas décadas. A onda de calor que atinge o RS nesta semana passará também pela Argentina, Uruguai e Paraguai.
“É uma onda de calor que gera preocupação porque, somada a falta de recursos hídricos no Sul do Brasil, ela é perigosa porque crianças e idosos têm problemas respiratórios, com a baixa umidade do ar, temperatura elevada, a desidratação gera efeitos de tontura e perda de atenção, uma série de danos na vida”, explica o diretor-substituto do Centro Polar e Climático.
Aquino não tem dúvida em atribuir a situação climática das últimas décadas ao aquecimento global. No caso do Rio Grande do Sul, que sempre teve as quatro estações do ano bem definidas, ultimamente as ondas de calor e períodos de chuvas são mais intensos. As chuvas, ele destaca, têm ocorrido mais nas estações quentes, o que causa o efeito de depois haver um longo período sem chuva.
“Então temos mais estiagens e, no período quente, ter mais estiagens pode favorecer ter ondas de calor. A onda de calor não precisa bater recorde, mas se torna mais longa”, explica o climatologista.
Se no começo do século 20 as ondas de calor eram de 3 ou 5 dias, atualmente podem ser de 15 dias. O diretor-substituto do Centro Polar e Climático comenta que as ondas de calor interferem no estado anímico das pessoas e no relacionamento social, causando mais agressividade, desânimo e intolerância.
No momento em que o clima do planeta sofre alterações drásticas, o professor da UFRGS olha com especial atenção para o Cone Sul. Analisando o Modo Anular do Hemisfério Sul, um campo de pressão da região (SAM, da sigla em inglês de Southern Annular Mode), explica que esse campo tem estado mais positivo devido ao aquecimento global. O resultado é a intensificação do calor e de estiagens mais prolongadas, com ventos também mais quentes e mais incêndios.
“Com a mudança climática, esses efeitos têm que ganhar intensificação, e é o que estamos vendo. Estamos vivendo isso e, com base nos estudos e modelos, temos a sensação de que, de fato, esses eventos parecem querer dar um sinal sempre mais intenso”, explica Aquino.
Já a meteorologista da MetSul, Estael Sias, avisa que quando o pico de calor passar, outra mudança brusca acontecerá: a próxima semana no RS deve ser de tempestades. “A chuva que a gente tanto precisa virá, mas como virá depois de tanto calor, será acompanhada de temporais.”
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