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Oposição e governabilidade: a construção da base política do governo Marroni
A vitória de Fernando Marroni em Pelotas trouxe ao centro do debate político a questão da governabilidade e das alianças estratégicas que serão necessárias para sustentar um governo progressista. Com uma Câmara Municipal onde partidos de direita e centro-direita organizando-se na oposição, Marroni terá de negociar com parlamentares que representam interesses distintos para avançar em sua agenda de governo. A promessa de diálogo e composição, sem concessões que comprometam o núcleo programático de sua gestão, marca o início desse novo ciclo político para a cidade.
Para entender os desafios que esboçam o horizonte da próxima gestão do Poder Executivo, o programa Contraponto desta terça-feira (28) recebeu o cientista político Renato Della Vechia. Ele explicou que a articulação com a Câmara envolve a distribuição de secretarias, um movimento essencial para fortalecer a base e garantir a aprovação de projetos-chave. Marroni talvez aposte em um modelo de composição com aliados em secretarias estratégicas - como Saúde, Educação e o SANEP. Elas não só contam com grande visibilidade junto à população, mas também possuem orçamento significativo para implementar políticas de impacto. Em meio a esse cenário, a oposição, liderada por figuras como o vereador Marcelo Bagé, promete fiscalizar ativamente o governo e manter princípios conservadores. De acordo com Della Vechia,a governabilidade de Marroni, portanto, dependerá de sua capacidade de harmonizar interesses diversos, mantendo o controle das diretrizes centrais de seu projeto político.
Contraponto: Pelotas registrou 25,71% de abstenções no segundo turno e 24,33% no primeiro turno. Como o senhor analisa esses índices? Quais motivos podem explicar esse fenômeno?
Renato Della Vecchia: É normal que a abstenção aumente no segundo turno, pois, com um menor número de candidaturas, muitos eleitores não se sentem representados por nenhum dos candidatos. Outro fator é a defasagem entre os registros do Tribunal Superior Eleitoral e a realidade: há muitas pessoas cadastradas que não residem mais na cidade, pessoas idosas que dependem de ajuda para votar ou eleitores que faleceram após o fechamento do cadastro. O aumento da abstenção e de votos nulos e brancos se relaciona com o crescimento do discurso antipolítica e da extrema-direita, que questionam os sistemas partidários e a própria política. Muitos eleitores não veem mais o processo eleitoral como algo que possa melhorar suas vidas. Esse é um fenômeno nacional e afeta diversas cidades.
Contraponto: Nos anos 1980 e 1990, vimos uma mobilização política maior. Hoje parece que as pessoas estão mais distantes. A que o senhor atribui essa mudança?
Renato Della Vecchia: Nos anos 1980 e 1990, estávamos no processo de redemocratização, então havia mais esperança e identificação com as candidaturas. Hoje, vemos outro fenômeno: a relação do eleitor com os candidatos se tornou muito mais fluida, e há uma fragmentação maior da sociedade civil, incluindo forças organizadas que antes não tinham tanta visibilidade, como igrejas e milícias. Além disso, o papel dos parlamentares se mistura com o do executivo, por conta dos recursos distribuídos nas regiões. Isso cria vínculos regionais que influenciam muito o voto. A colônia tem uma inclinação historicamente mais conservadora. No entanto, essa área também pode ser decisiva, dependendo de como as políticas públicas se dirigem a ela. No segundo turno, a colônia tende a votar de forma homogênea, e isso pode impactar fortemente o resultado.
Contraponto: O senhor mencionou alguns "erros decisivos" que afetaram a candidatura de Marciano Perondi. Poderia detalhar?
Renato Della Vecchia: Um deles foi o episódio do mercado, que gerou repercussões negativas e demonstrou um certo desconhecimento sobre a cidade. Outro foi a questão envolvendo a operação policial nos comitês, que resultou em um direito de resposta do adversário, inclusive durante o debate final. Esses pontos foram mal geridos e contribuíram para aumentar a desconfiança dos eleitores.
Contraponto: Essa eleição apresentou alguns fenômenos novos, como o crescimento de "candidatos invisíveis". Como o senhor interpreta isso?
Renato Della Vecchia: Esse fenômeno é recente e precisa de mais estudos. São candidatos que aparecem de forma expressiva nas urnas, mas que até então eram desconhecidos. Muitos têm ligações com setores mais ocultos da sociedade, o que mostra uma nova geografia do voto, onde milícias, igrejas e o crime organizado exercem uma influência política cada vez mais visível. Isso representa um desafio para a compreensão dos reais motivadores por trás das escolhas dos eleitores.
Contraponto: O senhor acredita que a sociedade civil ainda tem força para influenciar o campo político?
Renato Della Vecchia: Com certeza. A sociedade civil precisa apresentar propostas aos partidos. É essencial que, no campo da política, haja um processo de politização e organização que faça diferença na vida das pessoas. Mas, se os partidos entrarem apenas numa lógica de distribuição de cargos, vão perder a oportunidade de estabelecer uma base programática sólida e responsiva aos interesses da sociedade.
Contraponto: E no futuro próximo, quais seriam os passos para consolidar essa relação entre política e sociedade?
Renato Della Vecchia: Os partidos precisam se reorganizar e aprofundar seus programas para que as alianças não sejam apenas de conveniência eleitoral, mas baseadas em acordos programáticos. Isso é fundamental para evitar que o governo fique refém dos grupos de interesse no parlamento, e assim assegurar que a política realmente sirva ao interesse público.
Contraponto: Logo depois de confirmada a eleição de Fernando Marroni, Marcelo Bagé (PL) - o segundo vereador mais votado de Pelotas - publicou em suas redes sociais: "Perdemos. (...) Na Câmara de Vereadores, teremos um guardião dos nossos princípios e valores, bem como o compromisso de fiscalizar com eficiência o governo e trabalhar pelas pessoas. Muito obrigado a todos que confiaram na nossa proposta e fica firmado um compromisso: ESTAMOS SÓ COMEÇANDO (sic)". Dado que o PL está em outra ponta do espectro político, quais vão ser os desafios para um governo progressista que precisa de uma composição ampla? Como você vê essa disposição das forças agora?
Renato Della Vecchia: Nós vamos ter uma oposição bem definida, que é essa direita representada por figuras como o Marcelo Bagé. Ao mesmo tempo, acredito que o governo possa ter alinhamentos pontuais com vereadores de partidos como o PSDB, PSD e União Brasil. O PP talvez tenha uma tendência a se alinhar mais com o Perondi, mas isso ainda não é algo absoluto. Muito vai depender da capacidade do governo de mobilizar a sociedade em torno de suas pautas. Os vereadores, por outro lado, também evitam se posicionar contra pautas que têm grande apoio popular. Além disso, mesmo que o governo faça concessões de espaços para os aliados, é fundamental que haja um núcleo central que pense o governo como um todo, sem perder o controle das políticas.
Contraponto: Sobre a composição das secretarias, você acha que vai haver um modelo de divisão para cada partido assumir uma área específica? Como o governo pode estruturar isso de forma efetiva?
Renato Della Vecchia: Pela experiência passada, uma política que o Marroni adotou foi justamente evitar a "porteira fechada". A ideia é fazer composições políticas dentro das secretarias, com cargos técnicos e pessoas ligadas a diferentes grupos, mesmo dentro de um partido, para manter uma coordenação central. É algo diferente de entregar toda uma secretaria para um grupo, o que poderia levar a uma perda de controle por parte do núcleo do governo. Isso depende também de como os partidos se organizam para fazer uma gestão coesa. Em governos maiores, a prática de entregar pastas inteiras a certos partidos, como ocorreu no governo federal anterior, pode dificultar o controle central das políticas, mas no plano municipal essa prática não é tão comum nem fácil.
Contraponto: Quais você acha que serão as secretarias mais importantes no governo Marroni?
Renato Della Vecchia: Existem alguns critérios para definir quais secretarias são mais importantes. Primeiro, tem aquelas que funcionam como núcleo do governo, mesmo sem grande visibilidade, como a Procuradoria, a Fazenda e a Administração. Elas controlam aspectos essenciais, como recursos humanos e diretrizes políticas, e normalmente são coordenadas diretamente pelo núcleo central do governo. Depois, temos as secretarias com recursos, que sempre atraem interesse. Aqui entram a Saúde e a Educação, por exemplo - são secretarias que têm uma visibilidade maior, especialmente a Saúde, que afeta diretamente a população. E o SANEP que, além de ter verba própria, atrai interesses pela sua estrutura de CCs. Por fim, há secretarias mais segmentadas, como a Cultura e a Agricultura. Elas tendem a atrair grupos específicos da sociedade que buscam viabilizar políticas para esses setores. Grandes partidos se focam nas secretarias com maior visibilidade e/ou recursos, enquanto os grupos mais específicos se voltam para essas áreas segmentadas. Esse equilíbrio é necessário para que o governo consiga manter uma visão ampla de sua gestão.
Contraponto: O PSDB, que antes polarizava com o PT, vem perdendo espaço. O próprio governador Eduardo Leite comentou que o partido precisa se repensar. Como você vê o papel do PSDB e de outros partidos tradicionais daqui para frente?
Renato Della Vecchia: Não é só o PSDB que passa por essa crise, o MDB e o PDT estão na mesma situação. Esses partidos, que compõem o centro político, tinham uma unidade programática mínima e uma identidade histórica. Com o tempo, perderam espaço para um novo centro político mais flexível, representado por partidos como União Brasil e PSD, que às vezes se alinham à direita e outras vezes ao centro-esquerda. Esses partidos mais novos são menos programáticos e ocupam o espaço que o PSDB e outros partidos históricos tinham. Esse processo de perda de relevância dos partidos tradicionais reflete uma reorganização partidária que já começou. Algumas federações estão sendo formadas, como a entre PSDB e Cidadania, o que pode indicar que estamos caminhando para uma maior fusão desses grupos para enfrentar a crescente extrema direita, que está tirando votos desses partidos.
Contraponto: Você acha possível uma composição do Executivo com as três maiores bancadas, PSD, PL e PP, que apoiaram o Perondi no segundo turno?
Renato Della Vecchia: Não acho provável. Vejo mais chances de alianças pontuais com vereadores desses partidos que não tenham uma fidelidade partidária tão rígida, principalmente entre os novos vereadores que focam em pautas específicas. Por exemplo, alguns têm um compromisso claro com a saúde, e isso cria uma possibilidade de alinhamento, caso o governo assuma essas pautas. Hoje, o Marroni precisaria de três votos para alcançar uma maioria. Pode obtê-los negociando com um desses partidos ou com vereadores independentes, sem necessidade de uma aliança ampla. E tem também o jogo político: um vereador pode ceder apoio para não perder espaço caso outro o faça primeiro. No fim, quem tiver o Executivo, ou seja, quem administra, tende a ter uma vantagem.
*Confira a entrevista completa no canal da RádioCom Pelotas no YouTube.
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