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O que esperar de 2022 na área ambiental no Brasil
2022 será marcado por eleições, e muitas das políticas sendo discutidas no Congresso Nacional dizem respeito ao desmonte da legislação de proteção ambiental, ou a beneficiar grupos econômicos que contribuam com a eventual reeleição de Bolsonaro.
O ano de 2021 foi muito difícil para nosso país, em vários aspectos. Não só pela pandemia da covid-19, mas, principalmente, pela forte degradação econômica, social e política que estamos vivenciando. Na área ambiental, observamos a degradação crescente e acelerada dos biomas brasileiros, além da contaminação das águas, solos e atmosfera. De modo mais geral, é claro o projeto de desmonte de políticas públicas em áreas vitais como educação, ciência, saúde e meio ambiente, e ele segue a todo vapor.
Somente neste ano, tivemos a derrubada de mais de 13 mil km² de florestas na Amazônia, e o Pantanal teve 60% de sua área queimada pelo segundo ano consecutivo, em atividades associadas a crimes ambientais. O agronegócio segue avançando sobre o Cerrado, já que não há a implementação de políticas de uso da terra voltadas à preservação dos nossos ecossistemas. O garimpo ilegal continua a poluir com mercúrio nossos rios, afetando a saúde de ribeirinhos, população indígena e de todo o bioma amazônico. E, para completar, os eventos climáticos extremos marcaram o Brasil central e trouxeram insegurança energética e hídrica a grande parte da população.
Não é raro constatar, na mídia nacional e internacional, manchetes e editoriais nos quais o governo do Brasil é duramente criticado e repudiado por destruir políticas públicas, leis e órgãos de proteção ao meio ambiente, asfixiando instituições tradicionais, como o Ibama, ICMBio, Funai e outras. E os resultados destas ações se configuram no avanço dos crimes ambientais e nos ataques aos direitos de povos indígenas e das comunidades tradicionais.
Vale ressaltar que estas políticas de destruição do Estado brasileiro promovidas pelo Poder Executivo receberam apoio do Legislativo e do Judiciário, que desgastaram princípios básicos da proteção ao meio ambiente, resultando em extensas áreas desmatadas e degradadas em todos os biomas e ecossistemas brasileiros. Certamente, os impactos sociais e econômicos serão de longa duração, agravados pelas mudanças ambientais globais. A redução de qualidade do ar, das águas e dos solos foi uma das principais consequências dessas ações (des)coordenadas.
Importante salientar que a COP-26 significou um revés importante neste ano de 2021, no que se refere à questão da governança mundial sobre meio ambiente. A principal razão foi a falta de ações concretas para enfrentar e minimizar os impactos das mudanças climáticas em curso, uma das maiores ameaças à nossa sociedade. A COP-26 também frustrou expectativas devido à negação dos países desenvolvidos em ajudar os países pobres a lidar com a emergência climática, a reduzir suas emissões e a se adaptarem. A consequência de todo esse processo é o aumento das desigualdades sociais, e tudo indica que elas serão um forte fator de instabilidade política no futuro próximo.
Apesar de o governo brasileiro ter assinado um compromisso de zerar o desmatamento da Amazônia até 2028, sabemos que as chances de isso acontecer são remotas, afinal, não há qualquer política pública de fortalecimento a instituições-chaves como Ibama, ICMBio, MMA, MCTI e órgão associados, para que esta meta seja atingida. Se realmente houvesse interesse, este estaria contemplado no orçamento de 2022. Ou seja, na prática, não há incremento de recursos para essa finalidade, indicando que a meta era só “para inglês ver”.
Devido à ausência de ações concretas do governo federal, vimos, na COP-26, a atuação subnacional se impor, com a presença de 12 governadores, CEOs de grandes empresas e a participação significativa da sociedade civil. Acredito que esse novo quadro possa ser um importante motor de transformação de nosso país em uma sociedade mais justa e sustentável.
E para 2022, o que esperar? Como teremos o mesmo governo federal, o mesmo Congresso dominado por ruralistas e o mesmo Judiciário, claro que seria ingenuidade pensarmos em mudança estrutural. Há pressões internacionais para reduzir o desmatamento, por parte dos países desenvolvidos, e elas podem ser intensificadas com sanções comerciais em relação à importação de carne, madeira ou soja advindas de regiões desmatadas. Talvez isso possa mobilizar o atual governo brasileiro em relação a suas práticas (inclusive, existe pressão interna dos grandes produtores de carne).
Um dos graves problemas que temos hoje é a forte atuação de redes criminosas na Amazônia, seja pela grilagem de terras públicas ou indígenas, seja pelo avanço da mineração ilegal ou pela atuação de madeireiras ilegais. O fato é que as atividades criminosas passaram a dominar na Amazônia. Para encontrarmos um modelo de desenvolvimento sustentável para a região, o primeiro passo é coibir atividades ilegais de exploração e cumprir o que diz a nossa Constituição.
Para além da Amazônia, nossas questões ambientais atingem também a maior parte de grandes cidades, que continuam a viver com níveis altos de poluição atmosférica, proveniente de emissões veiculares. Por muitos anos, a indústria automobilística impediu a implementação de ações visando à melhoria nos padrões de emissões de poluentes, já em vigor em países desenvolvidos. Embora vislumbremos novos padrões de emissões para veículos a diesel, provenientes das próximas etapas do Proconve (Programa de Controle de Emissões Veiculares), as chamadas L7 e P8, equivalentes ao padrão Euro 6, em vigor na Europa, os impactos da atual frota veicular altamente poluidora durarão décadas, aumentando a mortalidade na população urbana por problemas respiratórios.
Outro problema a ser enfrentado é o uso excessivo e crescente de agrotóxicos pelo agronegócio brasileiro, com número recorde de autorização de produtos proibidos em outros países e largamente utilizados em nosso país. Além de contaminar nossos rios, população e produtos, muitos deles são compostos persistentes no meio ambiente.
Importante realçar que o Brasil tem todas as condições para ser uma potência mundial em sustentabilidade, pelas vantagens estratégicas em vários setores. Nossa matriz energética, por exemplo, poderia se beneficiar em muito do uso em larga escala de energia solar e eólica. Além disso, seria viável implantar uma agricultura de baixas emissões de carbono, zerar o desmatamento e servir de exemplo para nosso planeta.
Não há maneira mais fácil, rápida e barata de reduzir emissões de gases de efeito estufa do que zerar – pra valer e não para inglês ver – o desmatamento da Amazônia. O Brasil já foi um líder na redução de emissões de desmatamento e poderíamos repetir a façanha, se tivéssemos um governo comprometido em defender os interesses da população ao invés de beneficiar e até estimular o agronegócio predatório. Pesquisas de opinião mostram que mais de 80% da população brasileira são contra a destruição de nossos recursos naturais. A implementação de políticas de preservação de nossa biodiversidade é crítica para a região amazônica e demais biomas brasileiros.
Não podemos esquecer que o ano de 2022 será marcado por eleições majoritárias, e muitas das políticas e leis sendo discutidas atualmente no Congresso Nacional dizem respeito ou a “terminar” com o restante da reforma na legislação de proteção ambiental no Brasil, ou a beneficiar grupos econômicos que possam contribuir na campanha eleitoral (e reeleição) do atual governo. Neste quadro, o panorama ambiental para 2022 continua a ser desesperançoso, como em 2021.
A sociedade brasileira vai ter que trabalhar muito para recuperar os danos ao meio ambiente promovidos ao longo dos últimos anos e também para que possamos atingir nossos compromissos com o Acordo de Paris e os ODS da ONU. Claro que muitos dos danos ambientais já feitos são irreversíveis, como a destruição de dezenas de milhares de quilômetros de florestas. Resta-nos torcer para que os debates públicos em 2022 sejam uma nova oportunidade para lembrar e discutir os valores que nos definem como nação digna em um mundo democrático, inclusivo e sustentável.
Do Jornal da USP
Paulo Artaxo é professor do Instituto de Física da USP
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