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MST entra na disputa eleitoral para combater o bolsonarismo e a bancada ruralista
Com 37 anos de história, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) se prepara para atuar na disputa eleitoral deste ano. O maior movimento social da América Latina sempre se posicionou politicamente, seja através das históricas marchas pela reforma agrária, ou apoiando candidaturas do campo progressista. Mas diante do avanço conservador durante o governo Bolsonaro, e do crescimento da influência da bancada ruralista, o movimento prepara uma ação mais incisiva.
O diagnóstico é que atualmente o Congresso Nacional não representa a diversidade do povo brasileiro. O mesmo ocorrendo também nas assembleias legislativas pelo país. Nesse sentido, o MST decidiu lançar candidatos em pelo menos 15 estados e no Distrito Federal nas eleições de 2022. O PT é o partido escolhido pela maioria dos integrantes e dirigentes do MST que vão se lançar na disputa.
A intenção do MST também é renovar a política. Assim, essas candidaturas não devem se restringir à luta pela acesso à terra e à produção de alimentos saudáveis, tradicionais bandeiras do movimento. Temas como a defesa da educação pública, o resgate das políticas sociais, o combate ao machismo e à LGBTfobia também fazem parte da bandeira das candidaturas dos sem-terra.
“Nós precisamos fazer um debate massivo nas eleições, de disputa ideológica e de debate econômico. Além do combate ao governo Bolsonaro e à política neoliberal da ‘terceira via'”, afirmou Alexandre Conceição, da Coordenação Nacional do MST.
“O parlamento que nós temos hoje foi dominado por Bolsonaro e pelo Centrão. É um parlamento latifundiário, fascista, negacionista, que ao mesmo tempo destrói as políticas públicas”, acrescentou. Ele ressaltou, ainda, que a base do governo “sequestrou” os recursos públicos, através do chamado “orçamento secreto“.
Sem-terrinha
Em Pernambuco, uma das apostas do MST é Rosa Amorim, de 25 anos. Jovem, negra e lésbica, ela cresceu entre os sem-terrinha do assentamento Normandia, em Caruaru. “Nasci dentro do MST. Essa bandeira da defesa da terra, dos nossos direitos, da reforma agrária, sempre esteve comigo”, afirmou. Como militante do movimento estudantil, ela também participou de movimentos como Levante Popular da Juventude e a Consulta Popular. “Fui cotista, que precisou de assistências da universidade para conseguir permanecer. Então, a luta em defesa da educação foi me motivando”.
Ela se define como uma “sujeita política” à disposição das lutas sociais do seu tempo. Por isso, atendeu ao chamado do MST para se lançar como pré-candidata a deputada estadual. Outra motivação, segundo ela, é que os bolsonaristas querem pessoas com o seu perfil fora da disputa por representação. “Isso faz com que nós, sujeitos políticos, queiramos ocupar cada vez mais a política”.
Rosa também defende a bandeira da renovação. “Vamos nos lançar na política eleitoral? Sim. Mas não podemos cometer os mesmos erros que a esquerda repetiu no passado. Ou seja, temos que nos lançar na política, mas a gente também precisa renovar a política. Então a gente precisa de uma candidatura que represente, sim, o nosso povo assentado, o nosso povo acampado. Mas que também consiga representar as mulheres, a luta pela educação, a luta contra o racismo e a LGBTfobia.
Como aprendeu no MST, não basta apenas ocupar. “A gente precisa ocupar e resistir. Temos que construir uma resistência que seja capaz de derrotar o bolsonarismo”, frisou Rosa.
Contra cercas e ‘armários’
No Distrito Federal, o MST pretende eleger a primeira deputada federal drag queen do Brasil. Ruth Venceremos (PT) é Erivan Hilário dos Santos, artista, produtora cultural, educadora e ativista social, “tudo o que os bolsonaristas mais odeiam”, frisou. Ela também cresceu em acampamentos e assentamentos, em Pernambuco e no DF. Hoje integra a Coordenação de Educação do MST. Além disso, Ruth também é produtora do Montadas – O Bloco da Diversidade, maior bloco LGBT do carnaval de Brasília.
Ela define a sua pré-candidatura como “uma afronta” ao atual estado de coisas. Disse que Bolsonaro se elegeu promovendo o ódio contra pessoas como ela, “preta, LGBT”. “É uma afronta a projetos e práticas neofascistas que tem ganhado espaço na nossa sociedade. Então, ter candidaturas dessa natureza, para além do simbolismo da luta antifascista, consiste também num processo de reparação histórica, de ter pessoas negras ocupando o parlamento”, afirmou.
Ela destaca que os LGBTs ajudaram a construir o MST. “Primeiramente, a grande missão do MST é romper as cercas da terra, num país com uma concentração de terra bastante acentuada. E romper com os armários também é uma forma que nós, da comunidade LGBT, encontramos, no sentido de se fazer presente e reivindicar pelo direito de existir como nós somos”.
Ruth parafraseou Dom Pedro Casaldáliga (1928-2020), que foi bispo emérito de São Félix do Araguaia. “Ele dizia ‘malditas sejam todas as cercas’. E eu digo: malditas sejam todas as cercas e malditos sejam todos os armários, que nos privam de viver e de amar”. Mas, para ela, não se trata apenas da luta por representatividade. “Nós defendemos a representatividade articulada a um projeto político de transformação da sociedade brasileira, de luta por justiça social, por comida no prato das pessoas”.
Legado gaúcho
Se é a primeira vez que o MST se lança nacionalmente na disputa eleitoral, entretanto, há um precedente regional importante na história do movimento. Em 1986, o MST do Rio Grande do Sul decidiu por conta própria lançar Adão Pretto para a Assembleia Legislativa, que acabou se elegendo. Quatro anos depois, ele viraria o primeiro sem-terra da Câmara dos Deputados, em Brasília. Agora, Adão Pretto Filho (PT) segue os paços do pai, preparando a sua candidatura como deputado estadual.
Em função da carreira política do pai, Pretto Filho cresceu em Viamão, região metropolitana de Porto Alegre. Lá também fica o assentamento Filhos de Sepé, uma das diversas áreas que fazem do MST o maior produtor de arroz orgânico da América Latina há mais de 10 anos. Nesse sentido, Pretto Filho diz que tem um pé no campo e outro na cidade.
“Sei do peso positivo de representar a luta do velho Adão Pretto. Além de ter essa responsabilidade de carregar essa bandeira política tão importante, a do MST, referência para a América Latina e para o mundo, nessa conjuntura tão importante”, afirmou. Assim, ele também pretende ajudar o irmão Edegar Pretto, pré-candidato ao governo gaúcho, a governar.
“A gente sabe que um deputado não resolve todos os problemas da sociedade. Mas é uma ferramenta importante na luta pela terra, pela produção de alimento saudável, para fazer o enfrentamento com o agronegócio”, afirmou.
Ele disse, afinal, que “a maré está virando” para o lado da esquerda. Disse que os trabalhadores rurais sentem saudade de políticas públicas como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e o o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), com financiamento e apoio à produção dos agricultores familiares.
Lula de novo
Além de eleger seus próprios representantes, fortalecendo a democracia representativa, o MST também pretende fazer uma ampla mobilização nacional para eleger novamente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Alexandre Conceição, no entanto, afirma que as eleições de 2022 serão diferentes de todas as demais.
“Vai ser um embate muito direto entre um projeto neoliberal, neofascista, de destruição das políticas públicas e do meio ambiente, da não demarcação das terras indígenas e do pacotão do veneno, de um lado. E um projeto progressista, com uma economia voltada para soberania popular, a reforma agrária e a demarcação da terras, do outro.”
No entanto, em vez da campanha tradicional comandada por marqueteiros, ele aposta no “olho no olho” para vencer as fake news do bolsonarismo. Assim, o MST e seus candidatos também vão integrar os comitês populares de luta. “iniciando a mobilização dos comitês populares, que é para organizar a disputa ideológica e de projeto nas eleições. Para que a gente possa fazer um amplo movimento popular em defesa da democracia e pela eleição de Lula.
Dados da reforma agrária
Conforme dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Lula foi o presidente que mais fez reforma agrária no Brasil nos últimos 25 anos. Desse modo, em suas duas gestões, foram 4,7 milhões de hectares de terras improdutivas destinadas às famílias agricultoras. Assim, em três anos, Jair Bolsonaro incorporou apenas 2,8 mil hectares até agora.
Por outro lado, durante o governo Lula, somente entre 2003 e 2006, 245.061 famílias foram beneficiadas com a desapropriação de terras para assentamentos, o reconhecimento do direito de comunidades tradicionais, o reassentamento de famílias atingidas por barragens e com reordenação fundiária. Além disso, dos 920 mil beneficiados desde o início do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA), 520 mil foram assentados durante o governo do petista.
Por Tiago Pereira, da RBA
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