Pelotas em Luta: Sábado tem plenária aberta no Chafariz do Calçadão contra a PEC do Estupro
"Minha família vale tanto quanto a sua” (Fabiano Contarato) por Leonardo Melgarejo
Escrevendo sobre a coragem de Bruna Morato, e dos 12 médicos que denunciaram a Prevent Sênior, Moisés Mendes iluminou o que de fato aconteceu naquela sessão da CPI da COVID, dia 28 de setembro.
Ali se desenrolava mais um capítulo do “bom combate”, da eterna luta em defesa do que existe de melhor, na humanidade.
Relembrando: uma empresa gigante, apontada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS - como caso de sucesso no combate à pandemia, praticava, com o conhecimento de áreas do governo Bolsonaro, experimentos em humanos, utilizando remédios inúteis e redirecionando os casos mais demorados para a morte com “tratamentos paliativos” que reduziam custos e ampliavam a rotatividade dos leitos de UTI. Na Prevent Senior, “Óbito também é alta”, relatou a advogada Bruna.
Percebam, o sucesso e, portanto, a atratividade e o lucro daquela organização supostamente comprometida com a saúde, estariam sendo inflados por pressão aplicada sobre médicos, agravada pela falsificação de documentos e ocultação no número das mortes pela covid.
Imaginem as implicações: você é atraído pela propaganda da Prevent Senior e leva seu pai para tratamento em um daqueles hospitais elogiados pela ANS. Seu pai recebe remédios inúteis e se não se recuperar, ou se demorar a morrer, é deslocado para o grupo do tratamento paliativo. E se morrer, por covid, você não fica sabendo disso. Então, se sua mãe, seus irmãos, tios, primos, netos e amigos, se reunirem para a despedida final, em um velório com caixão aberto, isso ainda servirá para ampliar a clientela da empresa e o negacionismo do governo?
Pois foi contra isso que Bruna Morato e aqueles 12 médicos se ergueram, ao decidirem enfrentar sua parte, no bom combate. Com certeza, tiveram de superar o medo, encarar as ameaças e perseguições que estão sofrendo. Mas sem dúvida o medo dos demais, dos colegas que se calaram e se mantém em silêncio, haverá de ser maior. Moisés Mendes tem razão. Neste dia 28 ficou claro: “Os acovardados não têm mais desculpas para ficar à sombra de neutralidades e omissões ou de militâncias apenas protocolares pela democracia.”
No dia 29, diante da cena seguinte da CPI da COVID, assistindo àquela performance do Luciano Hang, revivi cenas de um passado alegretense que talvez Moisés Mendes tenha tido oportunidade de vivenciar. Nos anos 1960, de tempos em tempos aportava na cidade o mini circo e teatro Arrelia. Ele se instalava no campinho de futebol, ao lado da casa do meu amigo Renato, espaço atualmente ocupado pela telefônica. A referência futebolística é importante porque Renato era o goleiro de “nosso” time, mesma posição que jogavam seu pai e irmão, que em tempos diferentes defenderam, e se não me engano com grande fama positiva (pegadores de pênalti), as traves do saudoso Guarany, onde meu pai também jogou de zagueiro.
Bom, o fato é que no mini circo e teatro Arrelia, entre apresentações sequenciais, um palhaço entrava em cena. No breve tempo em que atrás da cortina, a sacada de Romeu e Julieta era transformada nas trincheiras de Guerra e Paz, ou coisa do gênero, aquele palhaço vendia pipoca, amendoim e algodão doce, tratando de entreter e distrair o público... Parecia bobagem, mas em verdade era parte de um espetáculo grandioso em sua universalidade, como se percebeu na sequência da CPI da COVID. Também ali, entre os dramas, surgiu o palhaço.
Foi adequada a definição do senador Renan Calheiros, sobre a a performance do investigado Luciano Hang, que depôs dia 29. Ele disse: “em todas as eras do nosso país, houve a figura do bobo da corte. (...) São úteis para bajular o rei e criar cortinas de fumaça”.
Felizmente, dia 30, logo na abertura da sessão, o senador Fabiano Contarato nos trouxe para a realidade.
O que está em jogo, na forma como nos comportamos no mundo, é o que existe de humano em nós. O bom combate deve ser enfrentado, sempre, e a todo custo, pois isso define o que somos e o que construímos na vida. Fabiano Contarato foi brilhante, chamando todos à razão, para que filhos não sofram discriminações por serem negros, mães e irmãs, por serem mulheres, pais e avós por serem idosos, e quem ama, por amar. De fato, como ele afirmou, a cor da pele, a orientação sexual, o poder aquisitivo, não definem caráter. São as atitudes que definem o adulto, o pai, o amigo, na consciência de que toda ação e omissão são pedagógicas e estimulam a construção de um futuro que pode recuperar ou destruir o que de humano existe em nós.
A produção de fake news, a propaganda de remédios fajutos, o estímulo à falcatruas e o apoio aos golpistas, a desmoralização das instituições e tantas outras iniquidades que aí estão, devem ser enfrentadas. Precisam ser superadas e substituídas por valores éticos e morais alinhados a posturas como a do senador Contarato, já referida, ou como a da Dra. Bruna, quando colocou o senador Marcos Rogério em seu lugar com aquela frase direta: "Essa descompostura que o senhor tem para tentar desqualificar a denúncia só mostra que vocês não têm qualquer condição técnica para tentar contestar os fatos".
Enfim, a semana deve ser vista como um incentivo à autonomia, à coragem, à atitude consciente de todos que estamos sendo chamados à participar da boa luta.
Sábado, dia 2, vamos todos às ruas.
Até lá, que nos embale a sabedoria e a malícia de Raul Seixas, naquele verso onde ele alerta que “quem não tem presente, se contenta com o futuro”.
Recomendo leitura atenta à entrevista com João Manuel Cardoso de Mello – “O Brasil é um país sem futuro?”. No texto, citando Hannah Arendt, e apontando o uso que ela faz de uma categoria que chama de “ralé”, Cardoso de Mello enfatiza que “Ralé não diz respeito à classe, diz respeito aos ressentidos, aos que odeiam dentro de cada classe”... "a ralé está em todas as classes: no empresariado, no agronegócio, na classe média e mesmo entre os pobres”.
Sem dúvida, ele tem razão e a covid não nos deixará esquecer isso. A dra. Bruna, aqueles 12 médicos, o senador Contarato e os milhões na rua, este sábado dia 2 de outubro, dão o testemunho de que não são parte da ralé, e se colocam em campo, pela boa luta.
Como vovó já dizia: Quem não tem presente se contenta com futuro? (versão censurada)
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko
Leonardo Melgarejo
Engenheiro Agronômo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1976), mestrado em Economia Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1990) e doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2000). Foi representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário na CTNBio (2008-2014) e presidente da AGAPAN (2015-2017). Faz parte da coordenação do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos (2018/2020 e 2020-2022) e é colaborador da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, do Movimento Ciência Cidadã e da UCSNAL.
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