Incerteza no Instituto de Menores
Mesmo com saída de Barroso, TSE manterá postura contra ataques de Bolsonaro, avaliam juristas
A última semana de Luis Roberto Barroso na presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) serviu para reafirmar as convicções de sua gestão e demonstrar união com seus sucessores. Nesta quinta-feira (17), durante seu discurso de despedida, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) afirmou que o presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ) promove uma “repetição mambembe” das práticas de Donald Trump nos Estados Unidos após ter perdido as eleições de 2020.
A referência ao conturbado processo eleitoral norte-americano, que Trump continua classificando como fraudulento sem apresentar provas, é bastante frequente entre juristas e políticos de oposição ao governo federal. “Bolsonaro tenta imitar o que Trump fez. Ele percebe que aquelas falas do Trump fazem com que, até hoje, ele se mantenha bem posicionado no cenário político e com possibilidade de retorno”, avalia o advogado Felippe Mendonça, professor de Direito Constitucional.
Fachin na presidência, Moraes na vice
Para manter a guarda alta diante dos ataques bolsonaristas nas eleições mais aguardadas dos últimos tempos, Barroso procura fazer uma transição bastante suave desde o ano passado. Nesta terça-feira (15), ele se reuniu com Edson Fachin — que assume a presidência do TSE até agosto — e com Alexandre de Moraes, alçado temporariamente à vice-presidência, mas que assumirá o posto principal do órgão já na reta final das eleições.
Como a gestão será de curta duração, os três ministros demonstraram estar com os discursos afinados para garantir eleições livres e limpas em outubro deste ano e também para resistir em bloco às tentativas de desacreditar o processo e desinformar os eleitores. “Às vezes, passamos por coisas que achávamos que já tinham ficado para trás na história; mesmo assim, o nosso papel é continuar a empurrá-la na direção certa", disse Barroso durante o encontro com seus colegas de toga.
Desafios durante a gestão
Em um ano e nove meses à frente do TSE, Barroso enfrentou grandes desafios, a exemplo das eleições municipais de 2020, durante a pandemia de covid-19, com distanciamento social vigorando em quase todo o país, resultando em julgamentos por videoconferência. Outro exemplo seria a Proposta de Emenda à Constituição [PEC] na Câmara dos Deputados que previa o retorno do voto impresso — bandeira governista rejeitada em agosto de 2021, após votação no plenário.
Contudo, foi com decisões contra as campanhas de desinformação e contra os discursos de ódio na internet que o ministro do STF ganhou destaque. Além de cobrar apresentação de provas sobre fraudes alegadas pelo presidente da República, Barroso também impôs duas notícias-crime contra Bolsonaro, uma por reiterada divulgação de notícias fraudulentas e outra por vazamentos de informações sigilosas em um inquérito igualmente sigiloso da Polícia Federal.
Para Gabriela Araujo, que também é advogada e professora da Direito Constitucional, o marco da presidência de Barroso foi o combate às fake news, aliado também à defesa das minorias políticas, pela inclusão de mais mulheres, pessoas negras e indígenas na política. “Esses três ministros têm em comum a pauta de combate às fake news, então eu acho que não mudará muito o trabalho que o ministro Luis Roberto Barroso já começou”, indica.
Bolsonaro, por sua vez, não esconde sua insatisfação com os três ministros. , que disse em entrevista à rádio Jovem Pan nesta quarta-feira que o trio quer torná-lo inelegível “na base da canetada”. Ele critica a postura do TSE, que também considera estar empenhado em eleger o ex-presidente Lula. Lembrando que foi justamente esse tribunal que impugnou a candidatura de Lula nas eleições de 2018, quando liderava as pesquisas de intenção de voto, sem que as suas possibilidades de defesa fossem totalmente esgotadas.
Desde o ano passado, o presidente tem feito pouca cerimônia para direcionar sua artilharia contra Alexandre de Moraes, que é relator no STF de inquéritos sobre milícias digitais que têm o ex-capitão do Exército e seus aliados como alvo. Na manifestação de 7 de setembro, inflada também por questionamentos às urnas eletrônicas, Bolsonaro chegou a chamar o juiz de “canalha” e anunciou que não cumpriria mais as decisões dele; depois, recuou, aconselhado por Michel Temer e pressionado pelo Centrão. Mas a relação nunca foi totalmente pacificada.
“Como ele (Bolsonaro) teme ser derrotado nas eleições, que tem o presidente Lula na liderança, sua saída vai ser questionar o processo eleitoral. Por isso, o Tribunal Superior Eleitoral vai ter um papel fundamental na garantia das eleições, e de impedir que a máquina de fake news haja novamente como funcionou em 2018”, defendeu o deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP).
Pontos cegos
O uso massivo de redes sociais, associado ao fluxo imensurável de informação que circula por eles a cada segundo, pode tornar ineficientes tamanha boa vontade anunciada pelos ministros e demais membros do TSE. Está no radar do órgão a superação da demora das plataformas digitais em analisar denúncias feitas por usuários, apagar conteúdos inapropriados ou ofensivos e suspender perfis falsos ou que propaguem desinformação ou discurso de ódio.
Uma série de medidas foram anunciadas, separadamente, nesta terça-feira por Facebook, Google, Youtube, Instagram, Twitter, TikTok, WhatsApp e Kwai. Gabriela Araujo ressalta, no entanto, que essas novas práticas ainda serão colocadas à prova, portanto o efeito ainda é desconhecido.
Telegram
A advogada salienta, ainda, que o aplicativo russo Telegram, bastante aclamado pelos bolsonaristas por suas regras menos rígidas para o compartilhamento massivo de notícias, por exemplo, ainda não chegou a qualquer compromisso de cooperação com o TSE.
Barroso e Fachin já exprimiram preocupação com o alcance descontrolado do aplicativo no cenário eleitoral e ameaçam bani-lo caso não cheguem a um acordo. O tribunal, porém, deve aguardar a decisão do Congresso sobre a PL das Fake News, relatado pelo deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), que obrigaria o Telegram e qualquer outro aplicativo desse tipo a ter uma sede no país e indicar representantes com endereço fixo para receber notificações e decisões da Justiça.
“E o que o TSE pode fazer? É mais a parte de fiscalizar e punir. Um trabalho como o de pegar um grãozinho de areia na praia”, ilustra Gabriela sobre o gargalo que se desenha. A advogada também lembra que o TSE é uma entidade judicial que tem a função de decidir temas e impor penas, mas que não cabe à ela o papel de polícia ou de Ministério Público. “Por isso, é fundamental que os partidos políticos e candidatos que sejam vítimas de crimes acionem o tribunal e exijam respostas”, recomenda.
Mendonça lamenta que a Procuradoria-Geral da República (PGR) e a Controladoria-Geral da União (CGU), órgãos que fiscalizam o poder Executivo, “não estejam dispostas a fazer esse controle”. Além do mais, o jurista conta que a justiça eleitoral é historicamente receosa em tomar decisões drásticas contra políticos eleitos, especialmente presidentes, “até em respeito ao voto de milhões de pessoas”.
Ele acredita que o bolsonarismo pode se beneficiar desse cenário para tentar tornar a corrida eleitoral mais caótica e imprevisível. “Acho que teremos, por um lado, o Bolsonaro aumentando o tom – ele deve aumentar o tom até a apuração final - e, por outro, o TSE ameaçando acabar com os excessos dele. Então é um caldeirão. Vamos ver no que vai dar”, finaliza.
Edição: Rodrigo Durão Coelho/ Rádio Brasil de Fato
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