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Lei de Alienação Parental foi tema de debate na Assembleia Legislativa
Nesta quarta-feira (1) a Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul debateu o Projeto de Lei 6371/2019, que tem como objetivo a revogação da Lei de Alienação Parental. Solicitada pelo Coletivo Voz Materna, o encontro registrou depoimentos de mulheres como Paola, Laila e Natasha, vítimas com seus filhos de violência doméstica e casos de abuso sexual.
Aprovada há 11 anos no Congresso Nacional, a Lei 12.318, de 26 de agosto de 2010, a Lei de Alienação Parental tem sido alvo de contestações sobre seu uso. Criada, em teoria para proteger as crianças, ela vem sendo contestada por especialistas, em âmbito mundial por fragilizar as denúncias de violência e abusos praticados pelos pais e, até mesmo, normatizar a pedofilia. De autoria da deputada Iracema Portella (PP-PI), o Projeto de Lei 6371/19 pretende revogar a referida lei.
Conduzida pela deputada Sofia Cavedon (PT), a audiência mobilizou diversos coletivos de mulheres, especialistas do direito, Ministério Público e Defensoria Pública, e ouviu relatos de mulheres que comprovaram atos de violência e abuso contra seus filhos, pelos pais, mas tiveram até mesmo sentenças de prisão dos acusados revogadas pela ação da Lei Parental, passando elas a serem acusadas de alienadoras dos próprios filhos. Essa lei, aprovada logo após a promulgação da Lei Maria da Penha, é considerada um retrocesso às conquistas jurídicas e policiais alcançadas pelas mulheres.
Como encaminhamento da discussão, a deputada Sofia Cavedon anunciou o envio de documentos e relatos à Câmara Federal, onde o PL 6371/2019 tramita, e também aos órgãos de Justiça do RS. Um seminário internacional será organizado para aumentar a visibilidade do tema a partir da Assembleia gaúcha.
"É preciso indagar em que medida essa lei vai garantir a convivência familiar, e não segregar"
De acordo com a professora de Direito da UnB e coordenadora do Grupo de Pesquisa Direito, Gênero e Famílias, Ela Wiecko, a lei foi criada com o fundamento de proteger as crianças, não é lei penal. “Mas é no fundo lei penal, sem ser direito penal, e isso é grave”, uma vez que a conduta definida como crime pela lei é ampla demais e ainda permite que o juiz, a partir de perícia ou da sua própria percepção do caso, considere que uma determinada conduta da mulher ou do pai, em geral da genitora, seja considerada alienação parental com sanções graves, como a perda ou inversão da guarda”, aponta.
Conforme expôs a professora uma Ação de Inconstitucionalidade tramita no Supremo Tribunal Federal alegando ofensa ao princípio da proporcionalidade e outros princípios. Contudo, para ela o melhor caminho é a revogação da lei, aprovada sem discussão com a sociedade e em ritmo acelerado. "É preciso indagar em que medida essa lei vai garantir a convivência familiar, e não segregar", pondera Wiecko, uma vez que as respostas nos dez anos de vigência da lei são negativas.
Em sua avaliação, além de não trazer bem estar ao ambiente familiar, a lei incide de forma perversa nas mulheres e, mais relevante, não protege as crianças, disse a catedrática. “Essa lei não atende nem as mulheres e nem aos homens que querem assumir a responsabilidade parental do cuidado com as crianças”, definiu.
LAP viola acordos internacionais
“Quem ganha com essa lei?”, questionou o juiz de Direito e doutor em Direito pela Universidade de Alicante, na Espanha, Romano José Enzweiler. Conforme pontuou o magistrado a Lei da Alienação Parental, LAP, viola a Convenção da ONU aprovada em 1989, que trata da proteção da infância, da qual o Brasil é signatário.
Segundo Enzweiler países como Estados Unidos e Espanha, por exemplo, têm dispensado legislação sobre a alienação parental. “O Brasil está na contramão”, assegurou o juiz de Direito, que teme a relação entre a Alienação Parental e o comércio sexual infantil e a pedofilia. “A psiquiatria diz que a síndrome é invenção destinada a mascarar o abuso sexual infantil e sua utilização é antiética”. O comércio de crianças no mundo é rentável e ocupa a terceira posição depois das armas e narcotráfico. Segundo a ONU, 1 bilhão de crianças são afetadas por algum tipo de violência no mundo. Em 2018, no Brasil, 32 mil crianças foram vítimas de violência e abuso, e mais de 70% dessa violência é praticada dentro de casa. Em cada três crianças, uma sofrerá abuso até os 18 anos.
Conforme ponderou Enzweiler, “seria irresponsável afirmar que os que defendem a lei defendem a pedofilia, mas é inegável que todos os pedófilos querem sua manutenção”. A LAP promove um padrão de injustiça, “a desproporcionalidade da lei nos seus efeitos, e toda a lei que fere direito fundamental por se mostrar na prática desproporcional será inconstitucional”, assegurou. Relatos de mães e crianças evidenciam essa “realidade assustadora, a lei é inconstitucional e desumana, viabiliza a violência financeira e psicológica”, afirmou, dizendo-se estarrecido, em 28 anos como juiz, com o que acontece nos fóruns brasileiros.
“Quem não conhece o funcionamento da lei cria teses falaciosas”
A delegada de Polícia Civil de Sergipe, titular da Delegacia de Atendimento a Grupos Vulneráveis de São Cristóvão, Ana Carolina Machado Jorge, em sua manifestação apontou violações da LAP porque recolocam a criança e adolescente nos fundamentos do Código de Menores, como objeto de direito. “Tira o foco da criança como protagonista da lei e coloca entre pais e mães em função da separação”, mudança que contraria a inspiração do Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA, fundamentado na Constituição de 1988, que protege as mulheres e crianças. “Quem não conhece o funcionamento da lei cria teses falaciosas”, afirmou.
Representando o Núcleo de Defesa da Família da Defensoria Pública, Patrícia Pithan Pagnussatt Fan, ressaltou a mudança de papel dos pais quando argumentam a questão da lei parental e assumem-se como marido e mulher, “nosso trabalho é chamá-los para que desistam dessa vestimenta e assumam a função de pai e mãe”, explicou.
De acordo com a defensora, nos programas de educação “conseguem se perceber cada um como alienador, muitos não são ativos, desconhecem e trazem com eles essa postura naturalizada de falar mal da mãe e do pai, é como alienação parental recíproca e a criança fica nessa situação”. Sem essa lei, ela chama a atenção para os procedimentos nos casos em que há a alienação parental, “que instrumentos concretos teremos para efetivar a punição de quem pratica esses elementos parentais”, questionou.
Atenção institucional
A promotora Patrícia Zanchi Cunha, do Fórum Regional do Partenon, relatou experiência de jovem recém-casada com homem com psicopatia, que anos depois do nascimento da filha e em ciclo de violência doméstica extrema consegue sair de casa, mas deixa a filha, tentando mais tarde, através do Judiciário, a guarda da criança. Desprovida de recursos, demora e quando consegue se aproximar da criança, ela chega com a narrativa de que foi abandonada pela mãe, num caso que até o seu limite teve o controle do pai. A mãe desistiu do processo, mas o Ministério Público entendeu que deveria dar continuidade como autor à ação acidental de alienação do pai contra a mãe, com a exigência de que todos fossem submetidos a tratamento psicoterápico às custas do pai. Nessa dinâmica a adolescente compreendeu que não houve abandono da mãe, mas um contexto de violência doméstica, uma vez que a jovem passou a sofrer o controle perverso do pai e, então, procura e retorna à guarda da mãe. “O processo continuava ativo e a guarda se inverteu”, contou Patrícia.
A mestra em Direito, professora universitária, advogada especialista em Direito de Família e atuante na defesa de direito das mulheres, Isadora Forgiarini Balem, lembrou a origem da LAP, da Síndrome da Alienação Parental, que surgiu de um obscuro médico americano contratado por ex-combatentes de guerra acusados de abuso sexual de crianças e para afastá-los das condenações, foi desenvolvida essa teoria. “Não podemos ser ingênuos e pensar que não há Síndrome de Alienação Parental na LAP”, reiterando que a Organização Mundial da Saúde ou manuais de doenças psiquiátricas não reconhecem essa síndrome.
Ela também sinalizou que os direitos aprovados na Lei Maria da Penha sofrem retrocesso com a LAP. Isadora Forgiarini destaca, ainda, desencontros do Judiciário quando se trata de reconhecer a violência doméstica apontada pela Lei Maria da Penha e, na Vara de Família, o juiz estabelece guarda compartilhada ignorando o padrão de violência sofrido pela criança como vítima indireta da violência doméstica. Ela leu documento que aponta a LAP como “instrumento sexista, misógino e patriarcal que visa um retrocesso na luta pelo direito de crianças e adolescentes e é preciso refletir sobre o bem jurídico desta lei”.
A deputada Luciana Genro (PSOL) informou que na Câmara Federal o projeto de lei que pede a revogação da LAP tem apoio da bancada feminina e do PSOL, comentando que é preciso levar ao Congresso Nacional o debate do tema com a máxima urgência, uma vez que existe a possibilidade de construir uma mediação para evitar a revogação da lei.
Seguiram-se manifestações da ex-secretária dos Direitos da Mulheres, Ariane Leitão, que relatou as primeiras denúncias de reversão de guarda para pais pedófilos no RS; da advogada e mestre em DH, integrante do Cladem Brasil, Rubia Abs da Cruz; Ana Maria Iencarelli, do Coletivo Voz dos Anjos, que informou sobre estudos que apontam a repercussão neurológica da violência contra a criança, ao lado dos traumas psicológicos já conhecidos em virtude do extremo estresse; Claudio Silva representou a deputada Maria do Rosário (PT), que trata do assunto na Frente Parlamentar em Defesa da Criança e do Adolescente e informou que relatório do Grupo de Trabalho da Secretaria da Mulher da Câmara já manifestou apoio à revogação da lei; e o Conselho Regional de Psicologia/RS.
*As informações são da Agência de Notícias da Assembleia Legislativa do RS
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