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Governo estadual suspende orientação de censura ao livro ‘O Avesso da Pele’
Após vir à tona, no último sábado (2), o pedido da 6ª Coordenadoria Estadual de Educação (CRE) para que o livro O Avesso da Pele, do escritor Jeferson Tenório, não fosse distribuído nas bibliotecas e nem aos alunos do ensino médio, a Secretaria Estadual da Educação (Sedac) emitiu nota afirmando que a obra será usada nas escolas estaduais na área de abrangência da coordenadoria, sediada em Santa Cruz do Sul.
A Secretaria da Educação afirmou não ter orientado que a obra, integrante do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), do Ministério da Educação (MEC), fosse retirada de bibliotecas da rede estadual de ensino. A orientação no sentido contrário, todavia, havia sido dada na última sexta-feira (1), em ofício assinado por Luiz Ricardo Pinho de Moura, coordenador da 6ª CRE, após a diretora da Escola Estadual Ernesto Alves, Janaina Venzon, publicar um vídeo nas redes sociais criticando a linguagem da obra por usar “palavras de baixo calão” e descrever cenas de sexo.
“O uso de qualquer livro do PNLD deve ocorrer dentro de um contexto pedagógico, sob orientação e supervisão da equipe pedagógica e dos professores. A 6ª Coordenadoria Regional de Educação vai seguir a orientação da secretaria e providenciar que as escolas da região usem adequadamente os livros literários”, afirma a Secretaria da Educação.
O livro de Jeferson Tenório foi o vencedor do prêmio Jabuti na categoria melhor romance em 2021.
No vídeo gravado pela diretora da escola de Santa Cruz do Sul, após ler trechos do livro em que aparecem palavras que se referem aos órgãos sexuais masculino e feminino, ela diz ser “lamentável” que o governo federal enviasse às escolas um livro com linguagem, na sua opinião, imprópria para ser trabalhada com adolescentes na sala de aula.
“Governo federal, por favor, deixe as escolas cuidar dos seus estudantes, onde os valores, o respeito, a conduta, os bons costumes e a ética prevaleça. E vindo ainda de um governo federal, é muito nojento. Que país é esse?”, questionou a diretora da escola de Santa Cruz do Sul.
O livro O Avesso da Pele, no entanto, foi escolhido pela própria escola em 2023 para ser trabalhado com os alunos do ensino médio neste ano. A obra integra um catálogo previsto no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).
Ainda no sábado, o Ministério da Educação (MEC) também se manifestou sobre o assunto e ressaltou que de Jeferson Tenório, traduzido para 16 idiomas e ganhador do Jabuti, principal prêmio literário brasileiro, foi incluído no Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) por meio de portaria em 2022 depois de passar por uma seleção publicada em edital de 2019.
“A escolha das obras literárias a serem adotadas em sala de aula é feita pelos educadores de cada escola a partir de um Guia Digital onde as obras integrantes do programa estão listadas para conhecimento de professores e gestores. Diferentemente do que conteúdos maliciosos estão repercutindo, como se o Ministério da Educação enviasse os livros a despeito de qualquer manifestação dos educadores pelo envio dos livros, os livros são distribuídos às escolas somente após a escolha dos profissionais de educação, realizada em sistema informatizado do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)”, explica o Ministério da Educação.
A pasta do governo federal destaca que a escolha dos materiais do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) deve ser realizada de maneira conjunta entre o corpo docente e dirigente da escola com base na análise das informações contidas no Guia do PNLD, “considerando-se a adequação e a pertinência das obras em relação à proposta pedagógica de cada instituição escolar e a decisão democrática dos professores”.
Repercussão
A decisão da 6ª Coordenadoria Estadual de Educação (CRE) de orientar para que o livro não fosse entregue nas bibliotecas e para os estudantes causou foi criticada por Jeferson Tenório. Em seu perfil no Instagram, ele ponderou que “as distorções e fake news são estratégias de uma extrema direita que promove a desinformação”.
O escritor ainda chamou a atenção para as palavras de “baixo calão” e os atos sexuais do livro causarem mais incômodo do que o racismo, a violência policial e a morte de pessoas negras, tema central da premiada obra. “Não vamos aceitar qualquer tipo de censura ou movimentos autoritários que prejudiquem estudantes de ler e refletir sobre a sociedade em que vivemos”, afirmou o autor de O Avesso da Pele.
A Companhia das Letras, editora que publica a obra no Brasil, também se manifestou sobre o caso no sábado. A empresa destacou que a obra, ao ser avaliada pelo Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD 2021) para ser trabalhada no Ensino Médio, foi aprovado por uma banca de educadores, especialistas e mestres em literatura e língua portuguesa juntamente com outros 530 títulos.
“Para chegar ao colégio em questão, ainda precisou passar por aprovação da própria diretora, que assinou o documento de ‘ata de escolha’ da obra e agora contesta o conteúdo do livro. Esses dados são transparentes e públicos. A retirada de exemplares de um livro, baseada em uma interpretação distorcida e descontextualizada de trechos isolados, é um ato que viola os princípios fundamentais da educação e da democracia, empobrece o debate cultural e mina a capacidade dos estudantes de desenvolverem pensamento crítico e reflexivo”, afirma a Companhia das Letras.
“Repudiamos veementemente qualquer ato de censura que limite o acesso dos estudantes a obras literárias sob pretexto de protegê-los de conteúdos considerados ‘inadequados’ por opiniões pessoais e leituras de trechos fora de contexto. O que se destaca em ‘O avesso da pele’ não é uma cena, tampouco a linguagem, mas sim a contundente denúncia do racismo que se imiscui em todas as nossas relações, até as mais íntimas”, conclui a editora.
A situação envolvendo o livro de Jeferson Tenório também levou a Associação Mães e Pais pela Democracia (AMPD) a apresentar uma representação no Ministério Público Federal (MPF). Segundo Aline Kerber, presidente de honra da entidade, a gestão democrática do ensino público é princípio basilar e o caso fere os artigos 205 e 206 da Constituição Federal, “sobretudo a liberdade de aprender e ensinar, a gestão democrática, o pluralismo de ideias e os direitos humanos”.
Na representação, a Associação pede que a diretora Janaina Venzon seja responsabilizada pelo vídeo, assim como a deputada estadual Kelly Moraes (PL) por tê-lo republicado no Instagram. A entidade pede ainda ao MPF que o vídeo seja retirado das redes sociais imediatamente e que os livros sejam devolvidos à biblioteca da Escola Estadual Ernesto Alves “com uma campanha que mitigue os danos de autocensura nas escolas da cidade e do RS”.
Por fim, a Associação Mães e Pais pela Democracia (AMPD) solicita que a 6ª Coordenadoria Regional de Educação e Governo do Estado do RS devolvam os livros da “suposta” retirada das bibliotecas de Santa Cruz e expliquem o equívoco à população.
Fonte: Sul21
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