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“Dois cigarros viram escândalo, e R$ 625 mil somem das redes”, critica Ivan Duarte
Duas denúncias, dois vereadores na mira e um abismo de tratamento nas redes e nos corredores da Câmara. De um lado, a comoção em torno do caso de Fernanda Miranda (PSOL), alvo de representações por portar dois cigarros de maconha em sua bolsa no carnaval. Do outro, o silêncio em relação à denúncia que envolve o vereador Cauê Fuhro Souto (PV), acusado de destinar R$ 625 mil em emenda parlamentar para uma associação que mantém laços com seu irmão. “Dois cigarros viram escândalo, e R$ 625 mil somem das redes”, criticou o vereador Ivan Duarte (PT).
Segundo Ivan, havia um acordo inicial junto ao setor jurídico da Câmara de que a tramitação da denúncia contra Cauê só avançaria após a manifestação oficial do Ministério Público, que abriu inquérito civil sobre o caso. No entanto, o compromisso foi rompido de forma unilateral: antes mesmo do parecer do MP, a admissibilidade foi votada e o processo encaminhado à Comissão de Ética. A denúncia teve origem em uma reportagem publicada no jornal A Hora do Sul, em 21 de janeiro, que revelou a destinação da emenda de R$ 625.799 para uma associação registrada sob um CNPJ incompatível com o projeto e com participação do irmão do vereador. Embora o inquérito do Ministério Público ainda esteja em andamento, a Comissão de Ética já analisa o caso.
Conflito de interesse e uso indevido de verba pública
A motivação para apresentar a representação surgiu após a publicação da matéria do A Hora do Sul. Após a denúncia, Ivan buscou documentos em cartórios, na prefeitura e na própria Câmara, e confirmou os indícios: a emenda orçamentária havia sido registrada com um CNPJ de uma associação diferente da que realizaria a obra. “É dinheiro público. Não tem como a Câmara silenciar diante disso”, afirmou.
Ele rebateu as justificativas do vereador Cauê, que alegou que o repasse não foi efetuado. “Não foi enviado porque se descobriu a irregularidade antes. Se não, teria ido”, declarou. Sobre a relação com o irmão, Ivan afirmou que os registros cartoriais comprovam que ele era presidente da associação no momento da indicação da verba. “Está lá. Se renunciou depois, não muda o fato de que havia conflito de interesse”, disse.
Ivan também lembrou que, dias antes da emenda, houve uma tentativa frustrada de alteração no estatuto da associação, para que ela passasse a ter como objeto a reforma de banheiros — o que só reforça, segundo ele, a suspeita de irregularidade. “Há documentos, há datas, há uma tentativa de corrigir algo que já era irregular na origem”, concluiu.
Dois pesos, duas medidas: o contraste com o caso Fernanda
Para o vereador petista, o que mais chama atenção é a diferença no tratamento público e político dado aos dois casos. Enquanto a denúncia contra Fernanda Miranda gerou intensa repercussão, a de Cauê passou praticamente despercebida. “Querem tratar como se fosse a mesma coisa, mas não tem absolutamente nada a ver. Um caso é pessoal e moralista, o outro envolve gestão direta de verba pública”, destacou.
Ivan reforçou que portar dois cigarros de maconha — como no caso de Fernanda — não configura crime no Brasil, segundo decisão do STF. “É uma tentativa clara de equiparar o incomparável. É moralismo seletivo”, criticou. Ele também afirmou que espera que o Ministério Público contribua para esclarecer as diferenças entre os dois processos. “Se alguns parlamentares não querem enxergar, o MP deve colocar os elementos técnicos que comprovam a gravidade do caso Cauê”, disse.
O vereador considera que a tentativa de acelerar o caso de Fernanda serviu como uma forma de diluir a atenção sobre a denúncia contra Cauê. “É uma manobra política. Enquanto gritam por dois cigarros, tentam abafar um escândalo de R$ 625 mil”, resumiu.
Redes sociais, distorção e a política do corte de 30 segundos
Ivan Duarte também apontou o papel distorcido que as redes sociais vêm assumindo no debate político. Para ele, há uma lógica de escândalo seletivo alimentada por moralismo e interesse ideológico. “A sociedade se indigna mais com um cigarro de maconha do que com o desvio de dinheiro público. Isso diz muito sobre os filtros que estão sendo aplicados”, afirmou.
O parlamentar alertou para o risco de que o ambiente digital sufoque o debate real e concreto. Ele relatou que já teve falas recortadas e distorcidas em vídeos que viralizaram fora de contexto. “A frase cortada de 20 segundos vira verdade. E ninguém mais quer ouvir a explicação”, disse.
Ivan encerrou com uma crítica à nova lógica da política digital. “Hoje, não importa o que tu defende de verdade. O que vale é a frase encaixada que vira corte. O plenário virou palco para reels, não para debate”, lamentou. Para ele, esse fenômeno tem impactado até votações dentro da Câmara. “Já vi parlamentar mudar de voto porque não queria ficar do lado de quem apareceu num post. Isso está nos custando democracia”, alertou.
*Confira a entrevista completa no canal da RádioCom Pelotas no YouTube.
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