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Cooperação entre Brasil e Argentina é limitada por pressões de elite econômica, dizem analistas
Em poucos meses de mandato, já foram dois os encontros oficiais do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com o seu par argentino Alberto Fernández (Frente de Todos). Os potenciais apoios do Brasil para a Argentina são, no entanto, limitadas, segundo analisam especialistas, e podem ser reduzidos muito mais a um gesto político.
Isso se daria em função da situação dos dois países. No Brasil, um governo que recém começa, já atravessado por turbulências internas, em contraste com um governo em seu último ano de mandato e que não foi capaz de dar uma resposta à crise econômica e social inaugurada pelo governo neoliberal que o antecedeu – no caso da Argentina. Em março, a inflação anual do país chegou a 104,3%.
Na semana passada, em Brasília, Fernández e sua equipe de gestão econômica se reuniram por quatro horas com a equipe de Lula para discutir sobre a comercialização entre os países. Segundo o secretário executivo do Ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo, o Brasil perdeu cerca de 6 bilhões de dólares de espaço na balança comercial com a Argentina em relação à China por falta de um mecanismo de financiamento para as importações do país vizinho.
A Argentina e o Brasil estão entre os principais sócios comerciais um do outro, competindo apenas com a China pelo primeiro lugar de importações e exportações mútuas, o que marca um interesse estratégico do Brasil para além do alinhamento político.
Foi algo que o presidente Lula quis enfatizar na coletiva com Fernández ao concluir a reunião. "O que quero deixar bem claro é que nós não estamos fazendo uma discussão para ajudar a Argentina. Nós precisamos ajudar os empresários brasileiros que exportam para Argentina e financiar as exportações brasileiras, como a China faz para os produtos chineses."
No entanto, a expectativa da equipe argentina era voltar ao país com algum acordo de financiamento mais concreto por parte do Brasil. Voltou, sim, com uma promessa de respaldo do Brasil para interceder pela Argentina no FMI e de ajuda para conseguir a garantia para a linha de crédito para financiar a comercialização entre os países, algo que pode vir do Novo Banco de Desenvolvimento, o banco do Brics (sigla do bloco integrado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), segundo sugeriu o próprio Lula.
"[Alberto Fernández] chegou apreensivo, e vai voltar mais tranquilo. É verdade, sem dinheiro. Mas com muita disposição política", destacou o presidente brasileiro ao lado de Fernández.
"Essa viagem foi importante, porque está na trajetória dessa aliança estratégica que se retoma. Mas não rendeu tanto a Fernández como esperado", destacou o doutor em ciências sociais Amílcar Salas Oroño, pesquisador argentino do Centro Estratégico Latino-americano de Geopolítica (Celag). "Temos que ver como segue. As agendas políticas de ambos os presidentes estão sob uma forte pressão midiática", destacou.
Oroño lembrou o distanciamento adotado pelo governo brasileiro após a promessa de financiar a obra do gasoduto Néstor Kirchner através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES. A proposta de financiar a obra que levaria gás não convencional da Patagônia ao sul do Brasil foi amplamente difundida – e criticada pelos que destacam que a Argentina é apenas um país endividado – após a primeira viagem oficial de Lula como presidente eleito, em janeiro, cujo destino escolhido foi justamente a Argentina.
O Ministro da Fazenda Fernando Haddad (PT) deu o sinal de distanciamento diante da Federação da Indústria do Estado de São Paulo (Fiesp), ainda em janeiro. "São projetos sustentáveis do ponto de vista econômico e que eventualmente nem devem precisar de financiamento público. Acho que Vaca Muerta mesmo é um projeto que talvez dispense esse tipo de financiamento", disse o ministro, conforme noticiado pela Agência Brasil.
"Por mais que o governo brasileiro possa dar apoio político e sinalizar solidariedade ao governo argentino com relação à renegociação da dívida com o FMI, a possibilidade do governo brasileiro de encontrar outros aportes para Argentina, nesse momento, é muito pequena", observa Cordeiro.
O apoio, no entanto, ganhou contornos práticos nesta quinta-feira (11), quando Haddad se encontrou com a secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, no Japão, em reunião prévia ao encontro do G7. "Eu trouxe esse problema porque a Argentina é um país muito importante no mundo e, particularmente, na América do Sul. A solução para a Argentina passa pelo FMI. Se o Brasil e os EUA estiverem juntos nesse apoio, isso pode facilitar muito as coisas para a Argentina", disse Haddad na ocasião. "Ela [Yellen] até se surpreendeu por eu trazer esse assunto aqui. Uma das razões pelas quais o presidente Lula está vindo ao G7 é para tratar desse assunto. Para nós, é fundamental que esse problema seja resolvido", prosseguiu Haddad.
Com relação à garantia através do Banco do Brics para a linha de crédito entre Argentina e Brasil, Lula propôs alterar o estatuto do órgão – agora presidido por Dilma Rousseff –, uma vez que o banco do Brics atende apenas os países-membros do bloco. Outra possibilidade seria a inclusão da Argentina como integrante do bloco, uma discussão de longa data e que inclui também outros países.
"É cada vez mais comum ouvirmos discutir o fortalecimento do Brics não apenas com inclusão da Argentina, mas da Indonésia, do Irã, da Arábia Saudita", destaca Cordeiro. "Há um amadurecimento dentro das lideranças do Brics para alargar o bloco. Penso que para agosto, às vésperas da reunião na África do Sul, teremos mais novidades nesse processo", prevê.
No dia 29 deste mês, Fernando Haddad foi incumbido de levar a proposta à reunião de ministros da fazenda dos países do Brics para contemplar o acordo em discussão sobre a linha de crédito do Brasil com a Argentina. A perspectiva de integração regional e recuperação da comercialização entre países parceiros se mantém como um horizonte neste início de mandato do governo brasileiro, em disputa com a pressão do setor econômico e da mídia hegemônica em ambos os países.
"Muitas vezes é difícil resolver a questão da integração como algo mais sólido, que não se reduza a reuniões bilaterais, e que seja um trabalho permanente, sustentado e com regularidade", destaca Oroño. "Precisamos de mais vínculo permanente e cotidiano porque os problemas são pesados, especialmente no caso argentino. Mas também é um benefício para o Brasil ter um sócio que o acompanhe em seu novo protagonismo internacional."
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