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Contraponto: “A palhaçaria é esse lugar de mostrar o que temos nas sombras — e isso não me envergonha”
É possível rir e, ao mesmo tempo, resistir? Para o artista multimídia e pesquisador Kelvin Marum Machado, a resposta é um sonoro sim. Unindo humor, arte e teoria crítica, ele propõe um espaço de criação e acolhimento voltado a pessoas que desafiam as normas de gênero e sexualidade. No projeto Pedagogias Queer-Trans Corpóreas, quatro dias de oficinas gratuitas convidam corpos dissidentes a se expressarem por meio da arte, em um ambiente seguro, acessível e politicamente engajado.
Durante entrevista ao programa Contraponto, da RádioCom Pelotas, nesta quarta-feira (9), Kelvin apresentou os detalhes da proposta, que faz parte da programação da Semana da Cultura promovida pela Secretaria de Cultura (Secult) e pela Prefeitura de Pelotas. As oficinas acontecem entre os dias 18 e 21 de abril no Espaço Kacha Preta, nas Três Vendas, com inscrições abertas até o dia 16. "A palhaçaria é esse lugar de mostrar para as pessoas o que temos nas sombras — e isso não me envergonha", afirmou o artista, ao comentar a oficina que ministrará no encerramento do projeto.
Arte, teoria e dissidência corporal em quatro encontros
As oficinas propõem um mergulho em vivências queer e trans por meio de atividades práticas, reflexivas e coletivas. Cada dia é conduzido por um artista diferente, com foco em uma linguagem específica. No primeiro encontro, Rai Leon ministra uma oficina de arteterapia baseada em experiências queer e não-binárias. No segundo dia, Henrica Ferreira conduz atividades de escrita e dramaturgia inspiradas em trajetórias travestis e transvestigêneres.
No terceiro encontro, Alêxander Pereira assume a condução com uma oficina de dança voltada à valorização de corpos diversos. "A ideia é questionar a ideia de eficiência corporal e mostrar que todas as pessoas podem dançar", explicou Kelvin, ao destacar a importância de romper com padrões excludentes. Já o quarto e último encontro será ministrado pelo próprio Kelvin Marum, que propõe a oficina "O fracasso queer do palhaço", unindo palhaçaria, comédia e autoconhecimento.
A proposta finaliza um ciclo que parte do acolhimento e da escuta para chegar à exposição criativa e ao riso. "A gente vive numa sociedade muito careta. Rir de si, se permitir o ridículo, pode ser uma forma poderosa de libertação", defendeu Kelvin. Segundo ele, o projeto busca criar espaços em que pessoas marginalizadas possam ser autoras das próprias narrativas — inclusive cômicas.
Um projeto coletivo que nasce da universidade e se abre à comunidade
O projeto surgiu de uma disciplina cursada no Programa de Pós-Graduação em Artes da UFPel, chamada "Narrativas e Poéticas Queer", ministrada pela professora Rosângela Fachel. Três dos quatro artistas facilitadores são mestrandes da UFPel, e a quarta integrante, Henrica Ferreira, é mestre pela UFRGS. Para Kelvin, a ideia central era levar o conhecimento acadêmico para além dos muros da universidade.
A possibilidade de viabilizar o projeto veio com o edital nº 001/2024 da Lei Paulo Gustavo, executado em Pelotas via Secretaria de Cultura. "A gente estava construindo algo muito potente dentro da universidade e sentia a necessidade de acessar mais pessoas. O edital permitiu essa abertura para o público, principalmente para pessoas trans e dissidentes de gênero", explicou.
O projeto também estabelece conexões com territórios periféricos da cidade. O local escolhido, o Espaço Kacha Preta, é gerido por artistas da comunidade e está situado nas Três Vendas, região da Cohab Tablada. "Essa descentralização é fundamental. É arte e política caminhando juntas", afirmou Kelvin.
Inclusão, cuidado e escuta ativa como princípio pedagógico
As oficinas foram pensadas com foco em acessibilidade e cuidado. Todas as atividades contarão com intérprete de Libras, e os exercícios serão adaptados conforme as necessidades físicas ou sensoriais dos participantes. O formulário de inscrição inclui um campo específico para que cada pessoa possa informar suas demandas.
“A ideia é criar um ambiente seguro, acolhedor e horizontal, onde cada pessoa possa se expressar a partir do seu lugar no mundo, sem imposições”, afirmou o artista. Ele também ressaltou que as oficinas não são exclusivas para pessoas trans ou LGBTQIAPN+, embora sejam pensadas a partir dessas vivências. “Qualquer pessoa interessada em expandir suas percepções e desconstruir padrões é bem-vinda.”
A metodologia aplicada une escuta, prática corporal, escrita e criação coletiva. A experiência pessoal dos ministrantes é valorizada como fonte de conhecimento e potência pedagógica. “Não se trata de ensinar uma técnica fixa, mas de abrir caminhos para que cada corpo encontre sua própria forma de criar”, destacou Kelvin.
Teatro, comédia e provocações no palco
Além das oficinas, Kelvin Marum também assina a dramaturgia da peça "Interpol, Não Me Prenda!", que terá sua apresentação final nesta sexta-feira (11), às 20h, no Centro Cênico da VSQ (Rua Dom Pedro II, 458). O espetáculo mistura comédia, troca de corpos e referências absurdas em uma narrativa ousada e debochada. A entrada custa R$ 15 e os ingressos estão à venda pelo Sympla.
A história gira em torno de Mariã, Cláudia e Márcia, três mulheres que enfrentam uma série de situações surreais após comerem bolachas mágicas. O enredo brinca com trocas de identidade, perseguições e um assassino de aluguel que complica ainda mais o caos instalado. “É uma comédia escrachada que também fala sobre identidade, afeto e desespero. E sim, há dildos e assassinatos”, brincou o autor.
Kelvin também participa de outro espetáculo no domingo (14), na abertura da Semana da LPG. A peça "Cara a Cara com o Zé" será apresentada no Passo dos Negros, com entrada gratuita e aberta ao público.
Serviço
Oficinas Pedagogias Queer-Trans Corpóreas
Dias 18, 19, 20 e 21 de abril, das 9h às 13h
Espaço Kacha Preta — Rua Alberto Ferreira, 40 (Cohab Tablada, Três Vendas, Pelotas)
Vagas: 20
Inscrições até 16 de abril: Formulário de inscrição
Intérprete de Libras em todos os dias
Apresentação teatral — Interpol, Não Me Prenda! (final)
Sexta-feira, 11 de abril, 20h
Centro Cênico da VSQ – Rua Dom Pedro II, 458
Ingressos: R$ 15 — Compre pelo Sympla
Estreia — Cara a Cara com o Zé
Domingo, 14 de abril
Passo dos Negros
Entrada gratuita
*Confira a entrevista completa no canal da RádioCom Pelotas no YouTube.
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