Orgulho e Resistência: A 23ª Parada da Diversidade celebra Ancestralidade LGBTQIA+
Comunidade tece estratégia para resgatar memória da Casa dos Trabalhadores
Na última sexta-feira lideranças da comunidade se reuniram na Casa do Trabalhador para discutir a restauração física e histórica do local. De acordo com estudos de professores da UFPel, a Casa é o único prédio histórico dos trabalhadores que ainda está de pé e representa todo o movimento sindical dos operários de Pelotas desde o final do século 19.
Com a presença do Iphan – Instituto Histórico e Artístico Nacional, do IAB – Instituto de Arquitetos do Brasil, e da UFPel e UCPel, pela manhã o papo foi pautado pelas políticas patrimoniais e a relação da Casa do Trabalhador com a história do operariado. Um mapa de Pelotas foi fixado no assoalho e o patrimônio cultural e ambiental da cidade foi marcado por suportes de madeira, nomeando cada local ou região.
Já a roda de conversa, que aconteceu na parte da tarde, foi o primeiro passo para resgatar a memória da Casa junto com a comunidade. O cantor Hector Rojas abriu o evento interpretando artistas latinos, entre eles a saudosa Mercedes Sosa.
Representantes de movimentos sociais e das universidades dividiram o microfone para construir uma estratégia junto com a Comissão de Restauração. O objetivo é buscar as pessoas que ocuparam a Casa ao longo do tempo e registrar as histórias que viveram por lá. O jornalista, ator e integrante da Comissão Lóri Nelson Dias comemorou a participação do público nessa busca: “A gente não imaginava que ia conseguir tantas pessoas e, mais importante, a participação das pessoas que estavam aqui presentes. A gente viu um retorno muito forte”. Lóri acredita que a alta participação social se deve à escolha dos organizadores em planejar junto com a comunidade. “É mais lento? É mais lento. Mas com certeza é mais democrático e a gente tem mais chances de acertar. O projeto vai ser longo, mas vai ser contínuo e permanente”.
Ao final da roda de conversa foram projetadas imagens históricas da Casa do Trabalhador. Um dos objetivos dos organizadores é justamente identificar as pessoas que aparecem nas imagens. O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, Jorge Barreto, destacou a importância da participação da comunidade nesse trabalho. Em muitas falas surgiram histórias pessoais com a casa, o que para Jorge foi surpreendente porque “apareceram histórias de pessoas que a gente não acreditava que soubessem de alguma coisa, de pessoas que já foram ocupantes dessa casa por vários motivos”.
O Coordenador de Comunicação e Cultura do Sindicato dos Bancários, Lucas Cunha, destacou que o tema “patrimônio” parece não pertencer aos trabalhadores, mas que a Casa do Trabalhador é um símbolo da profundidade da relação entre operariado e cultura. “Ela deve ser lembrada como um patrimônio histórico, material e imaterial, que tem a ver com esse prédio – mas também com toda a história do movimento operário da cidade Pelotas”.
Lucas diz que o evento teve uma boa participação em quantidade de pessoas, mas mais ainda em contribuições: “As pessoas que vieram aqui estavam dispostas a ouvir, mas também a falar. A gente escutou muitas histórias relacionadas à casa, relacionadas ao movimento dos trabalhadores em Pelotas”. A tarefa agora é buscar mais pessoas e chamar a comunidade para que traga suas histórias e construa junto o resgate da Casa do Trabalhador. A intenção é manter um calendário de eventos e ações que ocupem o espaço e ajudem a mobilizar as pessoas. “Hoje foi um desses eventos, mas já nos próximos meses queremos trazer outros movimentos culturais ou de debates, conversas. Eu acho que é um espaço que a gente precisa ocupar e é isso que a gente quer nesse primeiro momento, que a casa tenha vida”.
Várias histórias foram contadas na tarde de sexta-feira. Elas traçam linhas que ligam lutas sociais de segmentos diferentes, mas que convergiram para um mesmo endereço: a Rua Santa Cruz, 2454. Um desses movimentos é o do teatro popular de rua. A Rádiocom conversou com a Diretora de Saúde do Sindicato da Alimentação, Adelina Macedo, uma das integrantes desse segmento. Ela sublinha que a Casa do Trabalhador também foi um ponto de resistência cultural e de arte: “Começou em 1992, porque a gente sentiu a necessidade do Movimento Sindical de ter uma comunicação maior com o trabalhador”. O Núcleo de Teatro Popular fazia oficinas na Casa e, depois, tomava as ruas da cidade. “A gente ia para a rua, ia para a porta de fábrica, ia para os bancos”.
Outra ativista do teatro na época é a artesã Denise Mattos, hoje integrante da rede de economia solidária Bem da Terra. Ela conta como era a atuação dos atores e atrizes junto aos trabalhadores da cidade: “A gente acreditou que poderia levar a transformação através do teatro, da cultura, e por isso a gente foi para as bases, para as vilas, e sempre tinha o envolvimento do pessoal da comunidade onde a gente estava apresentando. Levávamos sempre alguma peça, de cada local ou do momento político atual, e as pessoas se viam nesse momento. Elas se viam ali, participavam e gritavam ‘é isso aí!’”.
A artesã ainda conta que era costume do núcleo de teatro popular, ao término da apresentação, conversar com o público: “Eles falavam que nunca tinham ido num teatro, porque precisariam de dinheiro para pegar um ônibus e para estar bem vestidos, coisas assim. E a gente mostrou que a arte está em qualquer lugar. Não precisava ser dentro do teatro: o importante era o contrário, era levar isso pra população”. Ela destaca que a equipe sempre foi muito bem recebida e que saia com muito mais riquezas do que tinha pretendido levar.
Para Denise, o teatro precisa resgatar a sua capacidade de encantar as pessoas lá onde elas estão: na rua. “A gente continua vendo o teatro no teatro, e as pessoas das comunidades continuam não indo”. Ela lembra que a Casa do Trabalhador sempre esteve de portas abertas acolhendo todas as pessoas “porque o teatro também é uma luta. Mas essa ocupação depende muito das entidades, de quem tem essa vontade, dos sindicatos - porque é necessário um patrocínio e, principalmente, um querer”.
A jornalista Vera Lopes, um dos grandes personagens históricos das lutas sociais de Pelotas, também foi testemunha de eventos protagonizados na Casa dos Trabalhadores. Ela falou de sua participação na vigília pela legalidade, ação que aconteceu na Casa do Trabalhador em 1961. Naquele ano o governador Leonel Brizola desafiou o exército e articulou uma rede de proteção à democracia, garantindo a posse de João Goulart como presidente do Brasil. A chamada Rede da Legalidade atrasou por 3 anos o golpe militar de 1964.
Os dirigentes e a Comissão responsável pela recuperação do prédio continuam buscando memórias de pessoas que participaram da história da Casa do Trabalhador. E a composição das lembranças da Casa é um trabalho articulado ao papel que ela desempenhou no último século: receber e servir de palco para a articulação e a luta de vários movimentos sociais da cidade. Se você ou algum familiar pode somar nessa busca, por favor, entre em contato. Nosso WhatsApp é +55 53 9933 1464.
Vamos junt@s amarrar os fios dessa memória partilhada e fortalecer o trabalho de quem lutou - e ainda luta - pela dignidade do povo de Pelotas.
0 comentários
Adicionar Comentário