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Caso Fernanda Miranda e PL de teste toxicológico expõem avanço do moralismo na política local

Caso Fernanda Miranda e PL de teste toxicológico expõem avanço do moralismo na política local

A entrevista do advogado Fábio Goebel ao programa Contraponto, realizada na quarta-feira, 19 de março, ofereceu uma análise jurídica e política detalhada sobre as representações que tramitam na Câmara de Vereadores de Pelotas contra a parlamentar Fernanda Miranda (PSOL). O caso teve início após uma abordagem da Brigada Militar durante o Carnaval, que resultou na apreensão de dois cigarros de maconha com a vereadora. Desde então, a situação tem sido amplamente explorada politicamente.

Durante a entrevista, Goebel argumentou que não houve crime, dano ao erário ou quebra de decoro, uma vez que o ato ocorreu fora do exercício da função parlamentar e não houve qualquer tipo de condenação judicial. Além disso, destacou que a atitude dos parlamentares opositores tem cunho moralista, hipócrita e seletivo, especialmente por se tratar de uma mulher em um ambiente político tradicionalmente dominado por homens.

Legalidade e abuso de poder

Para o advogado, as representações contra Fernanda Miranda carecem de fundamento jurídico. Ele enfatizou que o Supremo Tribunal Federal já estabeleceu entendimento favorável à descriminalização do porte de maconha para uso pessoal, o que inviabiliza qualquer punição criminal nesse contexto. “Dois cigarros de maconha não configuram crime. Para chegar a 40 gramas, teria que ser de chumbo”, ironizou.

Goebel questionou ainda a própria abordagem policial, sugerindo que pode ter havido direcionamento. "A abordagem precisa ter justo motivo. Se não houver, é uma violação da individualidade e da privacidade."

O advogado avaliou que transformar esse episódio em questão de decoro parlamentar é um desvio de finalidade, e que as representações têm motivações políticas e não técnicas. "Querem condenar uma mulher, uma parlamentar atuante, com base em moralismo seletivo. Isso é um abuso."

Moralismo seletivo e desigualdade de tratamento

Ao longo da conversa, Goebel apontou a incoerência de setores da Câmara de Vereadores, que silenciam sobre casos mais graves envolvendo outros parlamentares e concentram suas críticas na vida pessoal de Fernanda Miranda. "Não vi essa mesma régua quando anabolizantes foram apreendidos na prefeitura de Bagé, ou quando emendas parlamentares foram direcionadas a instituições com ligação familiar", comentou.

A entrevista também evidencia a disparidade de tratamento que atinge mulheres na política institucional. Fernanda Miranda ocupa uma das apenas duas cadeiras femininas em um parlamento composto por 21 homens. Goebel não utilizou esses dados diretamente, mas o contexto por ele apresentado ajuda a compreender como a atuação da vereadora pode estar sendo julgada com critérios mais severos, especialmente quando ela representa pautas progressistas e minoritárias.

Durante a conversa, foi mencionada a dificuldade enfrentada por mulheres em espaços de poder, especialmente em momentos de crise, quando o apoio institucional pode falhar. Goebel reforçou a importância de que haja solidariedade à parlamentar, destacando que, em sua opinião, o apoio a Fernanda Miranda deve ser "total e incondicional".

Rito atropelado e análises formais

O jurista também comentou a forma como a Assessoria Jurídica da Câmara tem atuado diante das representações. Segundo ele, o foco nas análises formais, sem considerar o conteúdo e a relevância das denúncias, pode indicar que decisões políticas estariam sendo tomadas previamente, com posterior tentativa de fundamentação jurídica.

Ao mencionar, de forma irônica, que "as decisões parecem ser tomadas antes, numa salinha com Jesus Cristo na parede", Goebel criticou o que considera uma postura contraditória diante da laicidade do Estado. Para ele, o ambiente de forte carga simbólica religiosa reforça o uso de argumentos morais em um contexto que deveria ser institucional e técnico. Essa abordagem, segundo ele, tem sido característica da atuação de setores da extrema-direita e de parte do centro político, que recorrem a expedientes moralistas e oportunistas para perseguir adversários.

Goebel destacou ainda que esses procedimentos podem conter vícios e abusos que, se confirmados, são passíveis de contestação judicial.

PL do teste toxicológico: inconstitucionalidade evidente

Durante a entrevista, também foi comentada a aprovação, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, do projeto de lei que propõe exames toxicológicos obrigatórios para o primeiro escalão do Executivo e Legislativo municipais. Goebel classificou a proposta como flagrantemente inconstitucional, por ferir a intimidade e a vida privada dos agentes públicos.

“Não há finalidade pública. Não tem razoabilidade nem proporcionalidade. Vereadores já chegaram embriagados em plenário e ninguém propôs teste do bafômetro”, criticou.

Ele ressaltou que medidas como essa não se sustentam legalmente fora de contextos de segurança específica, como o transporte rodoviário. Para ele, o projeto revela um claro uso político de pautas moralistas para atacar adversários ideológicos e reforçar narrativas oportunistas. Inserido no mesmo contexto das representações contra Fernanda Miranda, o PL evidencia uma tentativa de transformar o debate público em palanque moralista, desviando a atenção de temas estruturais e recorrendo a estratégias de perseguição rasteira, típicas de setores da extrema-direita e de parte do centro conservador.

A quem interessa o escândalo?

Fábio Goebel encerrou a entrevista com uma reflexão sobre o uso político do caso. Segundo ele, não há interesse público em debater o porte de dois cigarros de maconha durante o Carnaval, mas sim um uso midiático para desqualificar a atuação de uma parlamentar que representa pautas progressistas.

“O parlamento pode mais e deve mais. Discutir isso como grande tema do ano é diminuir o papel da Câmara. O que está acontecendo é um escracho político, uma perseguição marcada por hipocrisia e desvio de foco”, afirmou.


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