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Bienal do Mercosul volta a ocupar Porto Alegre com o desafio de levar mais arte à população
Vinte cinco anos depois de ocupar Porto Alegre pela primeira vez, a 13ª Bienal do Mercosul retorna à cidade a partir desta sexta-feira (16). As obras de 99 artistas, de 23 países, estarão expostas em mais de 10 espaços culturais da Capital até o dia 20 de novembro. Assim como em edições anteriores, o Centro Histórico concentra o maior número de espaços de exposição: o armazém 6 do Cais do Porto; a Casa de Cultura Mário Quintana; o Farol Santander, o Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs) e o Memorial do RS.
Como Arte Urbana, a 13ª Bienal se revela também no Largo Moacyr Scliar (próximo à Usina do Gasômetro), na Travessa dos Cataventos e pela Avenida Borges de Medeiros. Em 2022, os tentáculos do evento se expandem ainda para o Instituto Caldeira, situado no 4º Distrito, o Instituto Ling, na zona norte, e a Fundação Iberê Camargo, na zona sul. A Casa da OSPA e o Paço municipal fecham os locais que abrigarão as obras de arte.
Sem ter sede própria fixa, ao contrário da sua “irmã”, a Bienal de São Paulo, realizada num pavilhão localizado no Parque Ibirapuera, a Bienal do Mercosul nasceu e cresceu pelas ruas de Porto Alegre, ocupando espaços públicos e privados de entidades parceiras. Uma relação de troca que foi se consolidando com o passar dos anos, saindo do caráter de estranhamento das primeiras edições até ser aguardada por parte da população nos dias atuais.
“Tem começado um burburinho, as pessoas falando… acho que a sociedade porto-alegrense tava esperando a Bienal”, comenta Carina Dias, responsável pela direção de produção-executiva da 13ª edição.
A interação com a Capital começou já na 1ª edição, em 1997, quando foi criado o Jardim das Esculturas, no Parque Marinha do Brasil. No evento seguinte foram usados os armazéns do Deprec, junto ao Cais do Porto, como forma de aproximar a população do Guaíba numa época em que isso não era tão comum como atualmente. A 3ª edição foi marcada pela colocação de containers na Orla do Guaíba e, entre a 4ª e a 8ª edição, foi a vez dos armazéns do Cais do Porto.
“Foi nessa época que a Bienal se consolida como um evento nacional e atrai artistas de toda a América Latina. E também consolida os armazéns como um espaço importante na relação da população com o rio e a orla, num momento em que a orla não estava revitalizada, como é o caso agora”, recorda Fernanda Albuquerque, curadora e professora do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Na 8ª edição, uma amostra intitulada “Cidade Não Vista” ocupou nove diferentes espaços não só como local de exibição, mas usando a própria arquitetura da cidade como suporte para a realização artística. Ainda da 8ª edição, Fernanda lembra da Casa M, espaço cultural provisório que funcionou durante oito meses, estendendo a Bienal no tempo, com oficinas, seminários e biblioteca. “Foi uma forma de ocupar a cidade de outra maneira.”
A professora de Museologia pondera que o “espraiamento” da Bienal pela Capital se perdeu um pouco na 9ª, 10ª e 11ª edição, ocasiões em que o evento se concentrou em espaços localizados ao redor da Praça da Alfândega. Como em função da pandemia do novo coronavírus, a 12ª edição ocorreu apenas virtualmente, ela diz que a 13ª Bienal do Mercosul agora retoma esse caráter importante, desde as primeiras edições, de ocupar diversos lugares da cidade, incluindo espaços novos como o Instituto Caldeira, o Instituto Ling e a Fundação Iberê Camargo.
“Essa questão do quanto a Bienal vem, ao longo da sua história, explorando diferentes espaços, é como se ela ampliasse a zona de contato com a cidade. Ela acaba sendo mais vista, mais experimentada, e uma das principais funções dessa mostra tem a ver com a formação de público. A formação do olhar só se dá pelo contato com as obras e a produção artística”, explica
Relação ganha-ganha
O fato de não ter sede própria parece nunca ter sido um problema para a Bienal do Mercosul. Pelo contrário. Fernanda acredita que a ideia é acertada, ainda que demande um grande trabalho de articulação institucional para negociar com governos e entidades privadas. Por esse ponto de vista, se “espalhar” pela cidade é positivo para atrair público.
“Criar uma cultura de visitar exposições, museus e espaços culturais, não é algo simples. Então, acho que a Bienal coopera muito nesse sentido”, afirma, destacando a importância do público escolar no evento. Ao ocupar diversos pontos da cidade, a professora de Museologia e Patrimônio da UFRGS imagina como se a Bienal soltasse “iscas” para fisgar o público. Em 2022, por exemplo, é o caso da enorme escultura colocada em frente ao Iberê Camargo, assim como o trabalho do artista Túlio Pinto, na Av. Borges de Medeiros, com redes penduradas entre prédios.
“É uma obra super ‘isca’, faz com que as pessoas se deparem com algo que foge do seu cotidiano. E esse pequeno momento de se deparar com alguma coisa que foge do seu cotidiano pode gerar não só um momento de encantamento e reflexão, mas pode funcionar como um convite pra explorar um pouco mais do evento. Acho que é uma relação ‘ganha-ganha’ tanto para a população da cidade, quanto para os artistas, que também têm seu trabalho mais visibilizado”, afirma Fernanda.
Arquiteta, urbanista e curadora pedagógica do projeto educativo da 13ª Bienal, Germana Konrath destaca que obras em espaço público aberto sempre foram uma característica do evento. Vinte e cinco anos depois da primeira edição, ela acredita que a relação da Bienal do Mercosul com Porto Alegre está consolidada.
“A Bienal sempre foi gratuita e isso se mantém, inclusive nos espaços que atualmente cobram ingresso, como o Farol Santander e o Iberê Camargo, vão ter entrada gratuita pra quem se identificar que está indo pela Bienal. Então acho que é uma relação muito forte com a cidade. A gente ocupa esses espaços durante intensos dois meses, a cada dois anos, e também lugares da cidade que muitas vezes são considerados pouco ativos pela curadoria e por nossas pesquisas”, explica.
Como exemplo de lugar “pouco ativo”, Germana cita casas tombadas e abandonadas no Centro, os armazéns do Deprec e o observatório astronômico da UFRGS. E lembra do projeto “Tapumes”, depois chamado de Casa Monstro pela população, do artista Henrique Oliveira, feito na 7ª Bienal na Rua dos Andradas, próximo da Praça Brigadeiro Sampaio.
Com diferentes nomes e abordagens, de acordo com o conceito de cada curadoria, o que não muda é a vocação da Bienal em ocupar a cidade, principalmente o Centro Histórico, escolhido para concentrar as atenções em função do fácil acesso do público. “De certa forma, a Bienal toma a cidade. Espero que a cidade nos abrace”, diz a curadora pedagógica da 13ª Bienal.
Para ela, as obras que permaneceram na cidade como legado material das sucessivas edições também são importantes. É onde a cidade se encontra com a Bienal de maneira mais ampla. “A gente não precisa ter os códigos do museu, as pessoas não precisam se preparar para entrar num espaço específico com protocolos institucionais, elas simplesmente estão ali, no seu dia a dia, convivendo com trabalhos artísticos.”
Esse legado material, todavia, tem o outro lado. A professora de Museologia e Patrimônio da UFRGS critica o estado de conservação de algumas obras deixadas como presente para a cidade.
“Não adianta apenas doar as obras e não garantir, numa parceria com a Prefeitura, a sua manutenção. As obras do Jardim das Esculturas ficaram largadas, destroçadas, já não eram mais as obras há bastante tempo. Quando a Bienal se propõe a deixar obras no espaço público como um presente pra cidade, é fundamental que nessa doação se articule junto com a Prefeitura como os trabalhos serão mantidos”, sugere Fernanda Albuquerque.
O Jardim das Esculturas, no Parque Marinha do Brasil, abriga dez obras. O espaço é formado por peças de Amilcar de Castro, Aluisio Carvão, Francisco Stockinger, Franz Weissmann e Carlos Fajardo, do Brasil; Ennio Iommi, Julio Peres Sanz e Hernan Dompé, da Argentina; Francine Secretan e Ted Carrasco, da Bolívia.
Da 4ª Bienal ficou a obra da “Supercuia”, de Saint Clair Cemin, localizada na rótula perto do Parque da Harmonia. A 5ª edição deu à cidade mais quatro obras, dos artistas Carmela Gross, José Resende, Waltercio Caldas e Mauro Fuke, distribuídas pela Orla do Guaíba nas proximidades da Usina do Gasômetro.
Arte para todos
Apesar da longa relação do evento com a cidade, para determinadas parcelas da população a arte ainda é sentida como algo distante e elitista. Expandir o púbico e derrubar barreiras segue um desafio para os organizadores.
Carina Dias, responsável pela direção de produção-executiva da 13ª Bienal, acredita haver um público já familiarizado com o evento, mas ao mesmo tempo há uma nova geração que precisa ser conquistada para entrar nos espaços culturais e conhecer a arte contemporânea.
“É um desafio. Tem gente que nunca entrou num museu, tem gente que não sabe do que que se trata a Bienal. São vários públicos e temos esse desafio”, avalia Carina, ao mesmo tempo em que destaca o trabalho educativo significativa da Bienal desde a 6ª edição.
Já a curadora pedagógica do projeto educativo da 13ª Bienal espera que o formato do evento colabore para quebrar barreiras que a arte ainda possa ter com determinadas pessoas. Germana Konrath destaca que o público visitante gira em torno de 500 mil pessoas, um número significativo numa cidade de quase 1,5 milhão de habitantes.
“Nossa grande preocupação, desde a primeira Bienal, era formar público e pessoas, também como profissionais internamente, com esse viés educativo”, explica, dando destaque para o trabalho feito com escolas, principalmente públicas.
“A gente tenta desmistificar a arte enquanto algo elitista, algo hermético que as pessoas não conseguem compreender, não conseguem se aproximar. Não que as obras não tenham várias camadas, que a arte contemporânea não seja provocação e não tenha suas dificuldades, no sentido de muitas linguagens e, às vezes, referências internas. A ideia nunca foi simplificar, no sentido de transformar isso em simplista e superficial, mas entender que os públicos vão ter muitas interpretações e que isso é bem vindo e não precisa dominar códigos da arte”, explica.
Pelos próximos dois meses, moradores e visitantes de Porto Alegre terão novamente a oportunidade de conhecer ou se reencontrar com a arte contemporânea dominando a cidade.
Por Luciano Velleda / Sul21
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