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Barragem em Pedreira consome 82% do orçamento só com desmatamento e fundação

Barragem em Pedreira consome 82% do orçamento só com desmatamento e fundação

São Paulo – A construção da barragem de Pedreira, no município vizinho a Campinas (SP), já consumiu pelo menos R$ 189,5 milhões, desde que as obras começaram, em meados de 2018. O dado é do Tribunal de Contas do Estado (TCE), que mantém um painel das obras paralisadas. O montante corresponde a cerca de 82% do valor inicial do contrato. Em números exatos, segundo o Tribunal, foram pagos R$ 189.581.034,70. E o contrato inicial é de R$ 230.918.040,12. O contrato, aliás, assim como seus termos aditivos e a concorrência internacional, foi julgado irregular pelo próprio órgão fiscalizador. A decisão foi publicada no último dia 21, no Diário Oficial do TCE. Os conselheiros analisam agora os embargos de declaração apresentados pela defesa do Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), órgão do governo paulista responsável pelo empreendimento.

A obra rejeitada e temida pela população está formalmente paralisada. No início deste mês, o DAEE tornou público o fim do contrato com o consórcio construtor, a BP KPE-Cetenco. A construtora KPE tem origem na antiga OAS. Segundo comunicado oficial, o contrato foi rescindido em 27 de julho, após “uma análise criteriosa e uma série de avaliações técnicas” em que o empreendedor “constatou que o andamento das referidas obras tem enfrentado atrasos significativos, além de apresentar problemas recorrentes que afetaram diretamente a conclusão adequada dos empreendimentos”.
No comunicado, manifestou também o compromisso com a conservação e segurança das áreas utilizadas para implantação dos empreendimentos. E que “tomará todas as medidas administrativas e legais para retomada das obras o mais breve possível”. O posicionamento público, porém, contradiz o discurso oficial do empreendedor que sempre negou problemas quando questionado pela RBA.

DAEE sempre desconversou sobre situação da obra da barragem de Pedreira

Exatamente como em 4 de julho, quando uma nova reportagem sobre o caso noticiou que a obra polêmica estava praticamente parada desde o final de maio. As informações foram obtidas em documentos do Ministério Público Estadual. Entretanto o órgão voltou a desconversar. E afirmou, em nota à redação, que as obras da barragem de Pedreira estavam em andamento. E que havia “todas as providências para viabilizar a conclusão em menor tempo possível”.

Seja como for, a obra iniciada em meados de 2018 tinha previsão de conclusão em cinco anos. Já deveria estar ficando pronta. Porém, nesses anos todos, o empreendimento avançou muito pouco. Segundo o próprio órgão empreendedor, foram completadas poucas etapas, como o desvio do curso do Rio Jaguari, o que segundo fontes tem aumentado o assoreamento do rio. Além disso, houve avanço apenas nas fundações e no desmatamento. A “supressão vegetal”, como prefere o DAEE, inclui a derrubada de árvores protegidas, motivo de ações de entidades ambientalistas de Campinas.
Informações oficiais mostram que o DAEE já gastou 45% do orçado para essas obras (confira quadro). Para se ter ideia do atraso, a barragem que será de terra compactada — outro grande motivo de preocupação da população — praticamente nem começou essa parte da estrutura do barramento. Os trabalhos correspondem a 6% do total. Fontes ouvidas pela reportagem, porém, lembram que falta ainda, entre outras coisas, construir o vertedouro, instalar comportas, maquinário e concluir o pagamento das desapropriações.

Confira o andamento das obras oficialmente paralisadas

Fonte: DAEE

Após o anúncio da paralisação das obras, a organização ambientalista Movimento Resgate o Cambuí, de Campinas, enviou ofício a deputados integrantes da Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). A reivindicação é a revisão dos estudos e relatório de impacto ambiental (EIA-RIMA) apresentados pelo DAEE, que a Cetesb aprovou, liberando a obra.

De acordo com a organização, o EIA-Rima para a construção da barragem de Pedreira e de outro empreendimento do DAEE em Amparo, contém diversas irregularidades e ilegalidades. Aprovado por pressão do então secretário estadual de Meio Ambiente, o ex-ministro bolsonarista Ricardo Salles, o processo contraria Resoluções do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama). Entre eles, o que trata da qualidade de água nos cursos a serem represados. E também a autorização da companhia ambiental paulista (Cetesb) no que diz respeito à liberação, ilegal, para intervenção em área de
preservação permanente.

O objetivo dos ativistas é tentar barrar uma obra problemática, que teve início com o argumento de garantia de segurança hídrica. Em nome do abastecimento para a população da região de Campinas, o governo paulista atropelou normas para construir a barragem a 800 metros de um bairro em Pedreira e a pouco mais de um quilômetro do centro da cidade, que cresceu principalmente com o comércio de porcelanas e outros itens para residências, bares e restaurantes.

Segundo o próprio DAEE, que foi obrigado pela Justiça a informar sobre os perigos à população, a barragem representa grande risco para pelo menos 2.088 imóveis na região central. Reportagem da RBA mostrou que entre essas quase 2,1 mil edificações, que poderão ser varridas pelos 38 bilhões de litros de água que deverão ser armazenados em caso de rompimento, estão quatro escolas, dois postos de saúde, parte de um hospital, setores da prefeitura, o escritório do serviço de água e esgoto do município, agências bancárias, clubes, agência dos Correios, dois postos de combustíveis, museu, indústrias de porcelana, dois supermercados. O restante são residências, lanchonetes, restaurantes e o comércio local. Essa proximidade, aliás, foi um dos motivos de um embargo pela prefeitura local, que acabou derrubado pelo governo estadual.
Falta de transparência sobre os riscos da barragem à população de Pedreira
A falta de transparência do DAEE quanto aos riscos à população, que inclui a carência de um Plano de Ação de Emergência, foi motivo de ação da Justiça Federal, que autuou o empreendedor.

Uma das questões que chamam atenção é que o próprio DAEE já não considera a obra assim tão necessária. Segundo o Resgate o Cambuí, em 2017, antes do início das obras, houve revisão da outorga (aumento da vazão) do Sistema Cantareira, que garantiu maior segurança aos municípios que se valem da sua água. E o DAEE, na época, fez uma revisão para o sistema de adutora diante do aumento da outorga do Cantareira. Mas não reavaliou se a barragem de Pedreira era realmente imprescindível diante deste novo cenário.

“Veja-se que a utilidade pública da barragem não está comprovada, que o próprio DAEE em audiência judicial acordou que é necessária a revisão da necessidade/viabilidade e finalidade hídrica da barragem”, destaca a entidade em ofício ao Banco CAF, que emprestou dinheiro para o governo paulista para este fim. “Portanto, os interessados na realização da barragem vêm apontando que ela soluciona o problema de escassez hídrica, sendo esta a utilidade pública, o que justificaria sua existência em uma Área de Proteção Ambiental”, destacam trechos do ofício.

Crime ambiental e problemas no projeto da obra

Entre tantas irregularidades relatadas pela organização aos parlamentares da Comissão de Meio Ambiente estão uma denúncia de crime ambiental. Para se ter uma ideia, foi feita até mudança em legislação para permitir o desmatamento em Área de Proteção Ambiental (APA) Campinas, que será parcialmente inundada com a formação do reservatório.

Em abril de 2021, a Polícia Civil de Campinas abriu inquérito para apurar denúncia de crime ambiental cometido pelo ex-prefeito de Campinas Jonas Donizette. Segundo a Federação Nacional dos Conselhos de Meio Ambiente (Fecondema), ele teria infringido a legislação ambiental federal e municipal ao alterar lei que criou e rege a APA campineira. Isso sem sem consultar o conselho gestor da unidade de conservação. A área é formada em sua maioria (60%) de vegetação de Mata Atlântica e tem a maior concentração de água e matas naturais de Campinas.

O então prefeito aprovou na Câmara projeto de lei de sua autoria, convertido na Lei Complementar 61/2017. Com isso mudou o artigo 18 da Lei 10.850/2001, que proibia o corte ou supressão total das matas nativas, com fragmentos de mata atlântica — o que configura crime ambiental. O ato se deu para atender pedido do DAEE. Em ofício de junho de 2017, o órgão pediu a propositura de lei complementar tal como foi feito. Por pressão, o processo criminal chegou a ser arquivado. Mas entidades ambientalistas pressionaram de outro lado e o caso está em análise da Ouvidoria das Policias do Estado.

A história da construção da barragem de Pedreira tem sido marcada por problemas desde a sua concepção. O projeto de barramento no Rio Jaguari, cuja vazão foi reduzida há décadas devido ao desvio para abastecer o sistema Cantareira, teve falhas também em estudos geológicos. Segundo trabalhadores, novas inspeções no solo apontaram para a necessidade de mudanças estruturais, como a do local do vertedouro. Mais um sinal que nada vai bem nesse empreendimento.

FONTE: RBA

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