Incerteza no Instituto de Menores
As filas (por Leonardo Melgarejo)
Para não falar do Olavo, e seus seguidores, nessa conversa vamos tratar do mundo que aquela gente alimenta. É um mundo com histórico de precariedades. E aqui no Brasil, um histórico de privilégios e explorações. Um universo de miséria moral e pouca vergonha, que viabiliza esta vala gigantesca, entre os extremos. Que viabiliza um país onde convivem, em paz, como amigos, o absoluto e a nulidade, o zero e o infinito, o tudo e nada.
Indicadores? As filas.
As filas que se originam no fundo dos tempos. Filas de escravizados, e cativos tangidos por bandeirantes, filas de desesperados sem perspectivas, filas de bajuladores e leões de chácara, e filas de uma opulência obscena.
Filas que se articulam como funis que geram novas filas, mais e mais discretas, a cada passo.
Estamos acostumando com a naturalização daquelas filas onde o MST e outros grupos e pessoas solidárias doam alimentos. Vemos o lado positivo da ação humanizadora, e nos distraímos com isso.
Deixamos de perceber que existem relações de causa e efeito, entre aquelas e outras filas.
Deixamos de ver que existem aquelas filas dos que concentram a renda, que sugam a energia do país e com isso alimentam tanto os cordões dos miseráveis como as filas de canalhas, de enganadores e de capachos por vocação.
Existem filas onde alguns esperam até 20 meses para receber um helicóptero pelo qual podem pagar de 4,3 a 15 milhões de euros (R$ 27 a até R$ 94 milhões).
Existem as filas de espera por carros de luxo, onde as entregas de um Porsche podem demorar de três a seis meses. Ali as pessoas querem e podem pagar de R$ 800 mil a um milhão de reais, conforme os itens de customização solicitados para maior diferenciação do seu carrão, em relação aos dos seus pares.
A renda familiar anual, nestas filas VIP, supera os R$ 250 mil/ano (45 mil dólares). São brasileiros que, com a dificuldade de viajar para esbanjar no exterior, se obrigam a trocar os excessos da gordura que lhes sobra por elementos de estilo e luxo disponíveis no mercado local.
Naturalmente, preferem o que é importado, o que é raro e assegura ostentação diferenciada, até porque a desvalorização do real não assusta quem navega com serenidade no mar de crises que nos afoga. O investimento financeiro brasileiro, no exterior, entre janeiro e novembro de 2021 superou os US$ 18 bilhões (R$ 100 bilhões).
Isso é quase o dobro (um acréscimo de 76%) em relação ao ocorrido entre janeiro e novembro de 2020.
Recordes sucessivos evidenciando que o destino dos valores aqui gerados pouco tem a ver com os interesses, necessidades e esperanças de milhões de brasileiros.
A discrepância entre as filas caracterizadas pela disputa por ossos e por carros Porsche, na medida que envolvem desejos de fome e ostentação, permitem ilustrar um fato: O Brasil precisa retirar algo dos que têm muito, para com isso minimizar o drama dos que nada têm.
É mais do que colocar pobres no orçamento e os ricos no imposto de renda. Se trata de dignidade e conscientização nacional, envolvendo um projeto de país que precisa romper com sua história de precariedades, privilégios e bloqueios ao desenvolvimento humano.
Vejam bem. Se algum dos nossos 20 milhões de famintos conseguisse o milagre de poupar R$ 1 mil/mês, precisaria repetir a façanha ao longo de 8 milhões de anos, para alcançar patrimônio equivalente ao de nosso mais ilustre super rico. E olhe que este jovem vai longe. Não chegou aos 40 anos de idade, mas já acumula riquezas que literalmente, para milhões seria impossível reunir trabalhando durante várias vidas.
Para detalhes sobre isso e sobre as alternativas reais, que possuímos como nação, vejam a bela exposição de Dão Real, no programa Descomplicando.
Essencialmente, ele demonstra que um imposto sobre as grandes fortunas é possível, necessário e atende o drama do Brasil. Mas só será viável com mobilização e conscientização da sociedade.
De pelo menos parte desta sociedade onde (segundo o IRPF) apenas 70 mil brasileiros, dos mais de 200 milhões que somos, acumulam patrimônio superior a 10 milhões de reais. Obviamente nem todas aquelas pessoas estão nas filas dos Porsche e helicópteros. Boa parte delas têm seus bens patrimoniais imbricados em atividades produtivas, gerando empregos.
Pois bem, pensando em um imposto sobre o excedente, para além daqueles 10 milhões, aplicado sobre os patrimônios especulativos, seria possível gerar investimentos suficientes para salvar o Brasil. A proposta desenhada pela Campanha Tributar os Super-Ricos prevê alíquotas de 0,5%, 1% e 1,5% incidindo sobre o excedente daquelas fortunas que ultrapassam 10 milhões, 40 milhões e 80 milhões de reais. Exemplificando: uma pessoa com 50 milhões, teria isenção sobre os 10 milhões, pagaria 0,5% sobre os 30 milhões e 1% sobre os 10 milhões restantes. Disso, no todo, resultaria uma captação anual de pelo menos R$ 40 bi, mesmo prevendo aquelas isenções para bens aplicados em investimentos produtivos, e penalizando tão somente os capitais especulativos.
Como as maiores fortunas estariam sujeitas a uma alíquota máxima de 1,5% e sendo que aqui as fortunas crescem a taxas muito superiores, não haveria motivos econômicos para os super-ricos fugirem do país. E com o Brasil crescendo, todos ganhariam com isso.
O problema são os inimigos imaginários, tipo aqueles líderes da igreja Universal que entendem que estas noções são coisas de esquerdistas e devem ser repudiadas pelo povo cristão.
Iludir, desinformar, impedir que a organização do povo acerte um rumo em direção a um projeto de nação, é o que querem aqueles que plantam a discórdia, associando Lula ao demônio e ocultando as corajosas e primeiras iniciativas de elucidação, realizadas por pessoas como o vereador Paulo Porto, em Cascavel PR.
Estas e outras atitudes, como as ações do MST, de Júlio Lancelotti e o trabalho da Campanha Tributar os Super-Ricos são alguns dos muitos indicadores que devemos seguir, em busca da mudança inesperada, que virá na linha do esperançar de Paulo Freire.
Virá, com certeza, mas depende de não nos limitarmos a ficar esperando que a situação melhore por si.
Precisamos criar condições para que a esperança não seja vã, para que aquelas filas se mesclem aqui, e agora, e não no infinito dos sonhos. A hora é agora, aqui, onde o povo passa fome, onde o povo quer comer, a verdade é uma só.
Precisamos desarmar as armadilhas que entravam nosso caminho.
Com alegria, com poesia, com Nei Lisboa.
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko
Leonardo Melgarejo
Engenheiro Agronômo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1976), mestrado em Economia Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1990) e doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2000). Foi representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário na CTNBio (2008-2014) e presidente da AGAPAN (2015-2017). Faz parte da coordenação do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos (2018/2020 e 2020-2022) e é colaborador da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, do Movimento Ciência Cidadã e da UCSNAL.
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