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Antipolítica, calabouço fiscal e o salvo-conduto para a finança (por Marcelo Milan)
Marcelo Milan (*)
É inevitável. O financismo parasitário determina a agenda econômica e política. O corpo dirigente do BC (que não se confunde com o corpo técnico, representado pelo bravo SINAL), seu brinquedinho favorito, a segue à risca, isolado das necessidades da economia real e das demandas legítimas da população. Os Ministérios da Fazenda e do Planejamento, entregues e totalmente subservientes, acatam a visão rentista dos dirigentes do BC e logo da finança. Não fazem algo porque a maioria da população precisa, mas porque a banca exige. E a sociedade segue a reboque, não questionando a agenda do financismo e acreditando que se trata de debate legítimo. Eu não tenho interesse em tratar novamente de antipolítica fiscal. Mas há uma sucção a vácuo para o calabouço. Ele representa hoje, na Bananilga, um novo capítulo da inviabilização dos programas populares sob liderança do PT (a elite é incorrigível – e burra, pois não é governo de contestação). Assim, Lula não deve ser Ministro de Dilma (Gilmar Mendes) ou candidato (Moro/TRF-4/Villas Péssimas). Sendo candidato, não deve vencer (Voldemort/Torres/PRF/Pintores de meio-fio/PL e os ataques às urnas). Vencendo, não deve ser empossado (Torres/Patriotários/terroristas de Brasília). Empossado, não deve governar para o povo (Terroristas de Brasília, Fernando “Ferreiro” Haddad/Tebet e Bob Fields, o dono de riqueza mantida em paraíso fiscal – austeridade no olhos dos outros é refresco).
O calabouço só interessa de fato ao parasitismo rentista. Por exemplo, os miquinhos do ‘mercado’ (funcionários de instituições financeiras preocupados única e exclusivamente com seus bônus e juros na veia) se mostram aliviados. Não haverá elevação dos tributos (não corremos o risco de pagar impostos!) e o calabouço cria ‘previsibilidade’, traço este saudado também pela equipe econômica (hoje meros auxiliares públicos de serviços à banca). Fiz uma rápida e despretensiosa enquete com pessoas de menor renda (porteiros, zeladoras, faxineiras, jardineiros, frentistas, manobristas etc. – pessoas reais que não existem nos modelos econômicos ortodoxos). Ninguém tinha a menor ideia do que é o tal arcabouço. E âncora? ‘Não é aquilo que afunda?’ Pano rápido. Insisti sobre a necessidade de medidas previsíveis no âmbito fiscal. É difícil entender o que é ‘fiscal’ (confundiram com fiscal da prefeitura). Insisti sobre impostos. Imposto de renda. Disseram que não declaravam. E os impostos indiretos embutidos nos preços dos produtos no supermercado? Responderam que pagavam muitos impostos, sem saber ao certo quanto. De fato a carga indireta é elevada e regressiva na Bananilga para poder garantir o pagamento dos juros do rentismo. Mas a maior parte dos impostos indiretos fica a cargo dos estados e municípios… Enfim, a previsibilidade não é para a maioria da população. É para os miquinhos se concentrarem em seus ganhos especulativos de curto prazo. É para quem vive do barulho nas transações financeiras e quer eliminar a política fiscal (impostos progressivos e bem-estar social = ‘gastança’) do cenário. É importante notar que a legislação existente já contempla a previsibilidade pelo princípio da anterioridade tributária da Constituição (art. 150). Portanto, a previsibilidade de fato dos parasitas requer que o governo limite o gasto social e assim deixe a riqueza (dívida pública) e a renda (juros) do rentismo resguardadas. Um salvo conduto.
A agenda rentista, porém, está cheia de falsos dilemas. Primeiro: quem disse que regras ou regimes fiscais são necessários? A disjuntiva ‘regras’ (transformar a política em mecânica ou antipolítica) vs. ‘discrição’ (autonomia e independência do governo frente a banca) surgiu nos anos 1970, na transição da hegemonia para o financismo e a financeirização. Regras representam a tutela da finança sobre a democracia. Promovem a despolitização da economia para forçar a ‘lei’ em que R$ 1,00 = 1 voto. Tanto que até hoje nunca se propôs a seguinte regra: sempre que houver déficit nominal, os tributos sobre a renda e os ativos dos ricos e poderosos aumentam até alcançar o ‘equilíbrio’ fiscal. O objetivo das regras, na verdade, é neutralizar o keynesianismo (e hoje em dia os próprios keynesianos muitas vezes defendam a austeridade como responsabilidade fiscal) ou qualquer ativismo do Estado em favor dos pobres. Ao incorrer em déficits, o Estado cria demanda adicional que o gasto privado não proporciona, pelo menos nos níveis que garantam o emprego (e logo a exploração) máximo(a) da força de trabalho. Os economistas pró-capital financeiro zurram que isso só gera inflação (com a ressalva que, se milagrosamente o gasto de pleno emprego fosse privado, não teria o mesmo efeito – sempre há excesso de demanda em um caso e há apenas demanda precisa no outro…mágica….). Assumem assim que o gasto privado está sempre no nível correto independente de qualquer circunstância. Bobagem. De qualquer forma, o Estado não pode mais injetar gasto líquido real na economia para combater o desemprego porque se assume que a mesma, em geral, se não está em pleno emprego (na verdade no ponto de uma tolice chamada de PIB potencial) está quase lá. Não sendo possível mudar o PIB, o resultado é inflação. Novamente, tonteria pura.
Assim, para os economistas vulgares de porta de cade, ops, banco, todo excesso de demanda é devido ao déficit público. Se as contas públicas fossem milagrosamente equilibradas, com os ricos e poderosos pagando sua parte devida de tributos e conta de juros zerada, o setor privado e o setor externo ajustariam seus gastos às rendas de forma mecânica, automática e religiosa (natural). Inflação zero. Trata-se da patologia do equilíbrio. Mas, durante a Era de Ouro (1945-73), assim chamada por se aproximar do Santo Graal (pleno emprego sem alta inflação ou crises), não havia regras fiscais. E não havia porque as finanças foram amordaçadas nos anos 1930, com controles de capitais e regulações financeiras nacionais. Mas a sociedade não fez o que Keynes sugeriu para a continuidade do quadro favorável: a eutanásia dos rentistas quando estavam moribundos. Tiveram tempo para se recuperar e se fortalecer. E do esgoto da Sociedade Mont Pelerin ressurgiram para controlar as agendas da economia e da política, começando com o Chile de Pinochet. Não é por acaso que, desde então, as economias seguem em baixo crescimento ou estagnadas em relação à Era de Ouro. As economias que crescem rápido, como a chinesa, não seguem o receituário liberal do financismo. Qual o ‘arcabouço’ fiscal da China? Nenhum. Isto é: as regras não são necessárias para melhorar o desempenho macroeconômico, pelo contrário. Ou mesmo o ‘desempenho’ fiscal (sobras de arrecadação para pagar juros). Senão estaríamos hoje melhores do que na Era de Ouro, dada a proliferação de regras fiscais impostas pelas finanças via, entre outros, o FMI.
Segundo: o novo desarranjo fiscal continua com elementos pró-cíclicos. E daí? Por que a ênfase nas flutuações? O papel da política fiscal se resume a estabilizar a instabilidade e as crises do capital? Qual a razão? Seria por que não tem papel estruturante? Não pode atuar de forma determinante sobre a evolução da riqueza no longo prazo cronológico, mesmo gastando com saúde, educação, pesquisa etc.? Na verdade, os gastos com saúde, educação e pesquisa, por mais que tenham problemas (em parte impostos pela lógica liberal de cercear a ação estatal), afetam a capacidade e a qualidade do trabalho e logo a produção de riqueza. No salvo-conduto isso é sacrificado em favor do rentismo. Só os rentistas podem ter saúde e educação adequados? De qualquer forma, mesmo o papel ‘estabilizador’ se perde com as regras, por definição. O gasto fica limitado a montantes insignificantes diante da capacidade desestabilizadora do capital em condições periféricas de acumulação. Uma nova pandemia, por exemplo, transformaria o novo calabouço em letra morta. Logo, o terceiro falso dilema: o piso do gasto público per capita constante foi festejado como uma vitória pela equipe econômica. Evoca-se a tese do mal maior: o bode na sala é o estúpido teto de gastos e a queda real do gasto per capita. Mas quem disse que o gasto per capita está nos níveis apropriados, ainda mais depois de cair tanto? Se o gasto per capita em saúde, educação etc. está muito abaixo do necessário, então assim deverá ser mantido para garantir o sono tranquilo dos rentistas que mantêm a economia estagnada?
Quarto: a manutenção de gastos sociais (enquanto a finança permitir) pode ser medida de bem-estar social, mas também uma política liberal compensatória (o setor privado morde e o Estado assopra). E como as outras medidas do calabouço não resolvem o problema central da acumulação (nem poderiam, pois não é este o papel da política macroeconômica, que tem importância secundária), então as medidas podem mesmo se mostrar insuficientes para compensar a desigualdade abissal e logo a pobreza e miséria resultantes. Seria melhor criar condições para superar a pobreza de forma estrutural, redistribuindo renda e ativos via tributação. Quinto: quem disse que o crescimento sob o capitalismo gira exclusivamente em torno da política fiscal? As mudanças nos anos 1970 tiveram o papel de tirar o foco da instabilidade intrínseca das economias capitalistas e deslocar o debate para as finanças públicas. O rabo abana o cachorro.
Todos os problemas intrínsecos ao capitalismo são atribuídos ao governo. As crises são erros de política. Sempre. O Estado governa a dinâmica capitalista, não mais os próprios capitalistas, a taxa de lucro e a acumulação de capital. Daí a necessidade de regras para controlar o Estado malvadão. Logo, um sexto dilema: as barbeiragens do BC serão atribuídas à Fazenda. A culpa será sempre do novo calabouço (e isso não está de todo errado). A antipolítica monetária é prejudicial até certo ponto, mas isso não pode ser questionado na Bananilga. Então, como a culpa é sempre do governo, e o BC não faz mais parte tecnicamente do governo (apenas legalmente) ao conquistar independência, só resta a política fiscal para atribuir a culpa das crises do capital do ponto de vista da retórica. É claro, neste caso não existe qualquer calabouço fiscal que possa modificar estruturalmente as condições dinâmicas de acumulação de capital no mundo real. Na verdade, nem a antipolítica monetária, pois sua atuação está subordinada à dinâmica mundial de acumulação, de criação, redistribuição e destruição de liquidez e da dança das moedas. Sétimo: não se discute a natureza do Estado. O Estado é burguês e oligárquico. E quem controla de fato esse Estado? O bloco no poder, com forte ação hegemônica dos rentistas. O calabouço apenas referenda o desiderato desta cáfila de lactantes das tetas dos gastos financeiros.
Como contraste, o desgoverno fascista (perdão pelo pleonasmo) não procurou, por definição e genética, agradar a todos. Deixou clara sua opção exclusiva pelo rentismo, pelo agroatraso, extrativismo devastador, fundamentalismo religioso e devoradores de picanha com dinheiro de combate à COVID (“meu viagra tá garantido, então que se danem os demais gastos”). Adotou medidas contra a população pobre e contra os trabalhadores, especialmente os do setor público civil, mesmo furando o teto. Então, a gestão Lula não pode nutrir a ilusão de que dá para governar para todos. É preciso fazer escolhas políticas. Em particular, caso queira de fato redistribuir renda de cima para baixo e torcer para que isso contribua para a elevação das taxas de crescimento, não pode incluir o rentismo nos grupos a serem beneficiados. Se não quiser bater de frente pela conjuntura e atual correlação de forças favorável ao atraso (que é dada mas não estática – depende da própria ação política do governo), pode ‘comer pelas beiradas’. Mas isso deveria começar ontem, ou será tarde demais. O fascismo, braço político do rentismo parasitário, segue à espreita.
Na ausência de limites para expansão dos gastos com os parasitas, o governo, se tivesse coragem para ser popular, criaria mecanismos de desconcentração de renda. Por exemplo, gatilhos ou tributos sobre ganhos de capital e rendimentos atrelados às taxas de juros escorchantes. Toda vez que o BC elevasse as taxas de juros para irrigar o rentismo, o Tesouro elevaria automaticamente as alíquotas sobre rendimentos financeiros. Isso até reforçaria o suposto (ou declarado) objetivo do BC de segurar a demanda porque a inflação esperada pelos miquinhos do sistema financeiro está sempre no limiar da hiperinflação… Evitaria assim a consequência de concentrar renda (que é na verdade o objetivo não declarado da direção do BC). E reduziria o déficit nominal tanto do ponto de vista das transferências como da arrecadação. Ou então criaria um imposto sobre a propriedade de contas em paraísos fiscais (Lei Paulo Guedes ou Lei Bob Fields). Outra saída seria dar um choque de investimentos com uso de parte das reservas internacionais, criando novas empresas estatais. Todavia, não é nosso papel dar pitacos sobre a gestão do capital em condições de subdesenvolvimento crônico. Um dos problemas da Bananilga é que a burguesia tosca não investe em quantidade (isso exclui acumulação de ativos imobiliários em Miami) e qualidade. E pelo novo calabouço, o governo também não. Pelo menos não nos níveis quantitativos necessários para repor a depreciação e compensar a incapacidade crônica da burguesia nacional golpista.
Desta forma, há uma única regra fiscal útil: fiscalizar as tonterias, como aponta a sabedoria popular. Assim: 1. Os ventríloquos das instituições financeiras e seus boneco na mídia venal (suínos em particular) não sabem como a economia real funciona (os primeiros seguem modelinhos abstratos equivocados e irrelevantes, como sugere André Lara Resende, e os segundos só repetem o que os primeiros querem ouvir); 2. Se alguém acha que os ventríloquos e seus bonecos sabem alguma coisa de economia real, reveja a regra 1. Um dos desdobramento desta regra é: se o rentismo gostou, o calabouço é ruim. Se os bonecos de ventríloquos das instituições financeiras aprovaram o calabouço, ele é ruim. Para quem? Para a maioria, mesmo com a chantagem de os miquinhos criarem instabilidade financeira com fugas de capitais e outras ações se forem contrariados. Portanto, a nova-velha antipolítica fiscal não tem como cumprir a falsa missão de retomar o crescimento. Ele segue unida feito unha e carne à antipolítica monetária no sentido de distribuir, sob o manto da tecnicalidade (obediência cega aos interesses da finança), a renda estagnada (no agregado) ao rentismo. Como bem sabe o sub do Ministro Fernando Haddad, possível próximo marionete da Faria Lima quando o corpo dirigente do BC de Bob Fields for desinfectado: manda quem pode, obedece quem sempre tem prejuízo.
(*) Bacharel, Mestre e Doutor em Economia
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