Orgulho e Resistência: A 23ª Parada da Diversidade celebra Ancestralidade LGBTQIA+
A outra Pelotas: O protagonismo negro que foi esquecido em meio a narrativa hegemônica
No aniversário de Pelotas, é essencial olharmos para além dos casarões elegantes e das charqueadas que enriqueceram as elites locais. A cidade, conhecida como "Princesa do Sul" e polo cultural da região, tem uma história profundamente marcada pelo sangue, suor e resistência das populações indígenas e africanas escravizadas.
Com uma história rica e complexa, a cidade de Pelotas comemorou no dia 7 de julho 212 anos. Porém, a narrativa oficial da cidade frequentemente silencia as vozes dos seus principais “fundadores”, os povos indigenas e negros. Ao procurar sobre a história local, muito se destaca a influência européia na arquitetura e nos costumes, mas será que uma cidade que é considerada polo cultural da região pode ser resumida a uma única narrativa sobre histórias e feitos familiares?
Fundada em 1812 por iniciativa do padre Pedro Pereira de Mesquita, a Freguesia de São Francisco de Paula rapidamente evoluiu, sendo elevada à condição de vila em 1832. Três anos depois, em 1835, alcançou o status de cidade, passando a se chamar Pelotas.
Neste aniversário, te convidamos a olhar para além dos casarões elegantes e das charqueadas que enriqueceram as elites. Aqui será mostrado o protagonismo que moldou a cidade que hoje se chama Pelotas.
A outra Pelotas:
Para além da produção de charque, a mão de obra escrava esteve presente em diversas atividades econômicas e sociais. Na lida campeira, na criação de gado, nas chácaras e no trabalho urbano e doméstico, os escravizados eram a espinha dorsal que sustentava a economia local da região. No entanto, a narrativa histórica da cidade frequentemente omite esse protagonismo, preferindo destacar uma outra visão, a da prosperidade das elites e famílias tradicionais pelotenses.
A história da cidade é, em grande parte, contada sob a ótica das elites brancas. A narrativa dominante celebra o desenvolvimento das charqueadas no século XIX e a subsequente riqueza das famílias que comandavam esse comércio local. As mansões imponentes e o estilo de vida europeu são frequentemente exaltados como marcas do progresso da cidade, deixando de lado as contribuições vitais dos negros escravizados para o desenvolvimento econômico da região.
Pelotas era, e ainda é em sua maioria, uma cidade negra. No entanto, a presença e a importância dessa população foram sistematicamente apagadas das histórias oficiais ou contadas de forma irrelevante. Existem marcas culturais incontestáveis na formação da cidade que remetem à influência africana e indígena, mas que raramente são reconhecidas e divulgadas com o mesmo orgulho e afeto. A música, a culinária, as tradições e os costumes afro-brasileiros são partes integrantes da identidade pelotense, invisibilizados pela narrativa hegemônica.
Passo dos negros: O berço histórico e cultural de Pelotas
O Passo dos Negros, é historicamente considerado o ponto de partida da cidade de Pelotas. O local foi passagem das primeiras tropas conduzidas pelos portugueses, juntamente com as vacarias dos espanhóis ao sul. O nome da cidade, Pelotas, deriva de uma embarcação em forma de bola feita de couro, usada pelos indígenas para atravessar o Canal de São Gonçalo.
Este local, além de ser atualmente um centro histórico de charqueadas que se transformaram em importantes pontos turísticos, carrega um legado de luta e resistência tanto negra quanto indígena. Atualmente, o local é um ponto de estudo sobre a resistência desses povos, uma vez que, no passado, foi o ponto de entrada para milhares de homens, mulheres e crianças negras trazidas para o trabalho escravo.
Patrícia Fernandes Mathias Morales, pesquisadora da Pós-Graduação em Antropologia da UFPel, comenta que há muitas pesquisas realizadas sobre as comunidades indígenas, quilombolas e negras que dissertam sobre a participação desses povos no desenvolvimento da cidade, porém acabam ficando dentro da “bolha acadêmica”. Ela questiona por que a mídia tradicional não se importa em romper essa bolha. Patrícia ainda destaca que há conteúdo, história e pesquisas de várias perspectivas, mas falta interesse na divulgação. Por que essas histórias não merecem ser contadas? Por que a história se resume às famílias tradicionais escravocratas?
Para que as diversas histórias presentes no desenvolvimento de Pelotas sejam conhecidas e valorizadas, é crucial que a mídia, a academia e a sociedade civil se unam para preservar e divulgar a memória das populações negras e indígenas.
Em sua dissertação Patrícia ainda fala sobre o Passo dos Negros estar sofrendo com a especulação imobiliária nos últimos anos. Este processo, infelizmente, contribui ainda mais para a invisibilização histórica da população negra na cidade. A destruição da memória do Passo dos Negros é um reflexo da falta de interesse em preservar a verdadeira história de Pelotas, uma história que não apenas celebra as famílias tradicionais e fundadoras, mas também reconhece o sofrimento e a resistência das populações negras e indígenas e tudo que elas fizeram para que a Freguesia de São Francisco de Paula se tornasse a Pelotas que conhecemos hoje.
Desde 1812, Pelotas é conhecida por sua herança cultural. Dentro dessa herança, o que mais se destaca são arquitetura, cultura e arte. A cidade é marcada por histórias de diferentes épocas, e em cada espaço encontramos narrativas que a moldam como a conhecemos hoje: a Princesa do Sul. No entanto, sem as vivências do povo, não haveria toda essa história. Pelotas “é o que é” graças às diversas perspectivas e experiências de vida presentes aqui. Afinal, quem ajudou a desenvolver tudo isso foi a comunidade.
Pelotas é o berço de muitas pessoas, onde histórias de vidas se entrelaçam. Muita gente foi trazida para cá, muita gente nasceu aqui e outros escolheram esta cidade como lar. A cidade tem seus charmes e encantos, que são doces e inegáveis, mas é crucial não esquecer a história daqueles que deram a vida para que a economia local fosse o que é hoje. Sem o suor e a resiliência da comunidade negra e indígena que há muito tempo foi o pilar do desenvolvimento local, Pelotas não teria alcançado seu status atual. É necessário questionar e reconhecer o protagonismo silenciado na construção desta cidade.
A comemoração do aniversário de Pelotas deve ser mais do que uma celebração de uma história contada com uma única perspectiva. Deve ser um momento para refletir sobre as injustiças históricas e reafirmar o compromisso com a igualdade e a diversidade. Parabenizar os invisibilizados pela história é reconhecer seu papel essencial na construção da cidade e inspirar a luta contínua pela visibilidade e pelos direitos dessas populações.
Redação: Luísa Brito
Foto: Juliano Lima
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