Pelotas em Luta: Sábado tem plenária aberta no Chafariz do Calçadão contra a PEC do Estupro
A – É – I – Ó – Ú – Ipsilone (por Leonardo Melgarejo)
É certo, o tema mais importante da semana foi a decisão do ministro Fachin a favor dos povos indígenas e contra o marco temporal.
E este fato não poderia ser minimizado, ou substituído por qualquer outro, nesta coluna. A Música da Semana, por isso, deveria ser Demarcação Já.
Até porque outros ministros do STF ainda votarão o tema, a partir da próxima quarta-feira, sob a pressão dos interesses que sustentam os golpistas internacionalizados do agronegócio, da mineração e da grilagem de terras.
Então, a pressão dos brasileiros, contra os interesses da especulação internacional, e em apoio aos povos tradicionais que lutam por suas vidas e seus territórios, precisa crescer. Estão em jogo, além do futuro do planeta, os rios que alimentam reservatórios fundamentais para movimentação das turbinas que iluminam as noites e alimentam as torneiras do sul maravilha.
Mas estávamos precisando tanto de uma alegriazinha, que a partir daqui esta coluna segue por outro rumo.
O fato é que com aquelas ameaças de estado de sítio e com aquele terror estampado nas falas de tantos amigos, o 7 de setembro assombrava como um inevitável rito de passagem para o inferno.
Daí a felicidade com o ridículo que se impôs ao planeta, já na noite do dia 7 ou no máximo, durante o dia 8.
E convenhamos, é boa esta oportunidade de saltarmos um pouquinho, do essencial, onde estão as crises que nos assolam desde o golpe de 2016, para o supérfluo, onde vale rir do despertar bolsominiano.
Assim, esta coluna, com todo respeito ao essencial, agora tratará do supérfluo.
Há fundamentação familiar para isso. Minha mãe, em sua sabedoria, gostava de repetir: “meu filho, economiza no essencial para gastar no supérfluo, porque é ali que estão os prazeres da vida”. E vamos nessa, aproveitar o momento. Está sendo ótimo ver desconhecidos, assim como parentes e ex-amigos obtusos, gente disposta a acreditar no tratamento com cloroquina, na terra plana e na ameaça comunista, caindo em si.
Está sendo ótimo rir, pensando na surpresa de pessoas que num dia choravam emocionados e felizes comemorando uma tresloucada decretação de estado de sítio, e no outro se percebem como os patetas que são.
São crianças frustradas em suas fantasias, ok, dá até uma certa pena. Mas por favor, uma coisa é acreditar em Papai Noel e outra, bem diferente, é assumir papel de rato seguindo o flautista que estanca na margem do rio enquanto os outros se jogam a morrer.
Ficou difícil para eles apoiar aquele personagem que até terça-feira rosnava frases como "qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá... Ele tem tempo ainda de pedir o seu boné e ir cuidar da sua vida. Ele, para nós, não existe mais!", e hoje só ronrona.
Aliás, onde foi parar aquele líder que depois de afirmar “ou esse ministro se enquadra ou pede para sair”... “ele tem tempo ainda para se redimir, tem tempo ainda de arquivar seus inquéritos”, agora assina elogios sobre “suas qualidades como jurista e professor”? Sumiu?
Não, simplesmente “amarelou”, “arregou”. Aliás, só o fato de sua “declaração à nação” ter sido escrita pelo segundo pior presidente da História do país já diz tudo. As reações de seus seguidores à bolsonarisse da semana estão sendo hilárias. Eles estão acordando, com raiva de si mesmos e passados de vergonha.
Mas para nós, além da oportunidade de rir, restaram novas perguntas: a quem o Jair procurou, antes do Temer atender a suas insistentes chamadas? Quem ou o que levou o Temer, golpista bem-sucedido, a atender a terceira daquelas ligações do futuro presidiário? Alguma vantagem? Algum tipo de solidariedade? Teriam ambos, na cabeça, algo de futuro em comum?
Afinal, Temer traiu a Dilma, cometeu vários crimes e flanou na boa diante dos pedidos de CPIs e impeachments, com que foi ameaçado. Se se manteve no governo, e agora está tranquilo, é porque sabe como lidar com estas coisas que envolvem traições e recompensas. Bolsonaro sabia a quem recorrer. Mas será que seu conselheiro merece sua confiança?
O que Temer teria dito, que convenceu Bolsonaro a trair as expectativas de seu rebanho, seus motoqueiros, seus caminhoneiros e seus canarinhos?
“Peça desculpas, elogie, esconda o Carluxo, use a focinheira, seja frouxo, puxe o saco?”
Bom, foi isso que o mito fez, depois da conversa. E parece que é o que continuará fazendo, enquanto isso for conveniente para quem manda de fato neste país.
Claramente não é nenhum deles. São peões.
Claramente precisamos saber, e logo, o que foi vendido, além daquelas bases, em troca de manutenção do devaneio de onipotência bolsonarista.
Portanto, passado este fim de semana com seus momentos de alegria, também nós precisamos encarar a realidade.
Precisamos ser milhões nas ruas, com bandeiras vermelhas, contra a fome, contra a miséria, contra o desemprego, contra o marco temporal, contra personagens mesquinhas, malucas e corruptas, que circulam livres ameaçando o país.
Mas hoje, é tempo de cantar como a Sebastiana, do mestre Jackson do Pandeiro.
Edição: Katia Marko
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Bradil de Fato-RS
Leonardo Melgarejo
Engenheiro Agronômo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1976), mestrado em Economia Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1990) e doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2000). Foi representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário na CTNBio (2008-2014) e presidente da AGAPAN (2015-2017). Faz parte da coordenação do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos (2018/2020 e 2020-2022) e é colaborador da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, do Movimento Ciência Cidadã e da UCSNAL.
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